Hoje em dia tudo se resolve com instrução normativa
Retornando
de breves férias, tive a satisfação de ler as colunas de meus amigos Igor
Mauler Santiago, Gustavo
Brigagão e Heleno
Torres. Cada um dedicou-se a temas atuais e relevantes do Direito Tributário
e acredito que não poderíamos ter começado melhor esse projeto, fazendo da
coluna Consultor Tributário um espaço semanal de debate jurídico de alto nível
científico.
Nesse espaço Igor alertou-nos do perigo de “sobrar” para o contribuinte a conta da “guerra fiscal” entre os estados, guerra sem trégua e, pelo visto, sem data para terminar; Gustavo denunciou o absurdo interpretativo em matéria de benefícios de ICMS no âmbito do Repetro e a grande insegurança jurídica para o setor do petróleo e do gás natural que tais interpretações têm provocado; Heleno brindou-nos com um belo artigo a respeito do princípio da não discriminação, chamando a atenção para a necessidade do intérprete da Lei Maior trilhar o caminho da razão em busca da concretização dos direitos nela assegurados com razoabilidade e proporcionalidade.
De nossa parte, demonstramos o nonsense da legislação em matéria de lucros no exterior, que tributa nas mãos de empresas nacionais os lucros de empresas estrangeiras, no momento da mera apuração, independentemente da efetiva distribuição. Trata-se de uma legislação que desconsidera a personalidade jurídica de empresas domiciliadas em terceiros países de forma genérica, isto é, não importando o local de domicílio, tributa-se da mesma forma os lucros de empresas domiciliadas em países tão distintos quanto as Ilhas Cayman e Cuba, os Estados Unidos e Angola, a Holanda e a Bolívia.
Trata-se de uma legislação que tributa os lucros das empresas estrangeiras sem distinguir consoante a natureza dos mesmos, isto é, não importa se os lucros provêm de juros, de aluguéis, da licença de uso de software ou da exploração de atividades comercial, industrial ou financeira. Todos os lucros, sem exceção, são tributados quando da sua apuração no exterior. É a verdadeira “globalização” dos poderes de tributação do Fisco brasileiro!
Como já alertamos na coluna anterior, nossa legislação representa um gravíssimo ônus para o empresário brasileiro, já que priva o empreendedor de se beneficiar de alíquotas mais baixas praticadas nos países das investidas, seja em razão das próprias leis internas gerais, seja em razão de medidas específicas de desoneração para a atração de investimentos. Mas o que é pior, se por um lado tributa os lucros de empresas estrangeiras como se fossem lucros de empresas nacionais, por outro lado não permite a compensação das perdas ou prejuízos. Ou seja, o Estado brasileiro só quer ser “sócio” nos lucros das empresas estrangeiras.
Os defensores dessa legislação têm sustentado que o Brasil não tributa o lucro da empresa estrangeira, mas sim o lucro da sócia brasileira, do qual o lucro da empresa estrangeira é parte integrante, em razão do método da equivalência patrimonial, de aplicação obrigatória a investimentos em controladas e coligadas, ex vi do artigo 248 da Lei 6.404/76.
Discordamos veementemente dessa assertiva e na coluna de hoje iremos demonstrar que a tributação do “resultado positivo da equivalência patrimonial” não tem qualquer embasamento legal.
O método da equivalência patrimonial é uma técnica contábil adotada pela legislação societária para avaliação de investimentos em controladas e coligadas, que registra no patrimônio das investidoras as mutações patrimoniais ocorridas no patrimônio das investidas.[1]
A referência ao “resultado positivo da equivalência patrimonial” como base para incidência do imposto de renda é uma criação da Administração Fiscal, que surgiu no artigo 7º, parágrafo 1º da Instrução Normativa 213/02[2].
A leitura da LEI — em caixa alta — pode ser cansativa, mas faz-se necessária para demonstrar que em seu texto não há autorização para tributar o resultado positivo da equivalência patrimonial.
Assim dispõe o artigo 25 da Lei 9.249/95 em sua íntegra:
“Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.
“§ 1º Os rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na apuração do lucro líquido das pessoas jurídicas com observância do seguinte:
I — os rendimentos e ganhos de capital serão convertidos em Reais de acordo com a taxa de câmbio, para venda, na data em que forem contabilizados no Brasil;
II — caso a moeda em que for auferido o rendimento ou ganho de capital não tiver cotação no Brasil, será ela convertida em dólares norte-americanos e, em seguida, em Reais;
“§ 2º Os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
I — as filiais, sucursais e controladas deverão demonstrar a apuração dos lucros que auferirem em cada um de seus exercícios fiscais, segundo as normas da legislação brasileira;
II — os lucros a que se refere o inciso I serão adicionados ao lucro líquido da matriz ou controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real;
III — se a pessoa jurídica se extinguir no curso do exercício, deverá adicionar ao seu lucro líquido os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, até a data do balanço de encerramento;
IV — as demonstrações financeiras das filiais, sucursais e controladas que embasarem as demonstrações em Reais deverão ser mantidas no Brasil pelo prazo previsto no art. 173 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
“§ 3º Os lucros auferidos no exterior por coligadas de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
I — os lucros realizados pela coligada serão adicionados ao lucro líquido, na proporção da participação da pessoa jurídica no capital da coligada;
II — os lucros a serem computados na apuração do lucro real são os apurados no balanço ou balanços levantados pela coligada no curso do período-base da pessoa jurídica;
III — se a pessoa jurídica se extinguir no curso do exercício, deverá adicionar ao seu lucro líquido, para apuração do lucro real, sua participação nos lucros da coligada apurados por esta em balanços levantados até a data do balanço de encerramento da pessoa jurídica;
IV — a pessoa jurídica deverá conservar em seu poder cópia das demonstrações financeiras da coligada.
“§ 4º Os lucros a que se referem os §§ 2º e 3º serão convertidos em Reais pela taxa de câmbio, para venda, do dia das demonstrações financeiras em que tenham sido apurados os lucros da filial, sucursal, controlada ou coligada.
“§ 5º Os prejuízos e perdas decorrentes das operações referidas neste artigo não serão compensados com lucros auferidos no Brasil.
“§ 6º Os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos §§ 1º, 2º e 3º. (grifos nossos)
A leitura da LEI confirma que a tributação no Brasil incide sobre os “lucros auferidos por controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil”, lucros esses que “(...) serão adicionados ao lucro líquido da (...) controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real” (art. 25, § 2º).
A leitura da LEI revela que a disciplina do artigo 25, parágrafo 2º não modifica, nem interfere no tratamento aplicável aos “resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial”, que “(...) continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos §§ 1º, 2º e 3º”.
O tratamento em questão está disciplinado no parágrafo único do artigo 23 Decreto-lei 1.598/77, com a redação dada pelo artigo 1º, IV do Decreto-lei 1.648/78, segundo o qual “não serão computados na determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste do valor do investimento ou de amortização de ágio ou deságio na aquisição, nem os ganhos ou perdas de capital derivados de investimentos em sociedades estrangeiras coligadas ou controladas que não funcionem no país”.
Assim, nos termos da LEI os resultados de avaliação dos investimentos no exterior pelo método da equivalência patrimonial, isto é, as “contrapartidas de ajuste do valor do investimento em sociedades estrangeiras controladas”, não são computados na determinação do lucro real.
A IN 213/02 inovou radicalmente, elegendo uma nova hipótese de incidência e, por conseguinte, uma nova base de cálculo para o imposto, qual seja: o resultado positivo da equivalência patrimonial (art. 7º, § 1º).
A IN 213/02 contrariou a LEI, que apenas permite a tributação do “lucro” da controlada no exterior (art. 25, § 2º), nunca, jamais, tendo feito qualquer referência ao “resultado positivo da equivalência patrimonial” no sentido de se poder identificá-lo como hipótese de incidência do tributo.
Muito pelo contrário, o artigo 25, parágrafo 6º da Lei 9.249/95 é expresso em determinar que “os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos parágrafos 1º, 2º e 3º” e referido tratamento é exatamente o oposto daquele adotado pela IN 213/02. Com efeito, o resultado positivo da equivalência patrimonial de investimentos em controladas no exterior está total e absolutamente exonerado de tributação nos termos da legislação vigente.[3]
Certo ou errado, razoável ou não, o objeto da tributação legalmente previsto é o lucro da controlada no exterior e só este. Nunca, jamais, o resultado positivo da avaliação do investimento pelo método da equivalência patrimonial.
Arvorar como objeto da tributação uma realidade que a própria lei determinou não fosse nela considerado, como o resultado positivo da equivalência patrimonial, representa forçar a realidade normativa para lhe imprimir um significado e alcance que não tem. Tal assimilação jamais foi feita pela LEI, representando inovação de mero ato administrativo, em violenta afronta do princípio da legalidade da tributação (art. 150, I da CF/88).
Tamanha ilegalidade não passou despercebida pelo ministro Castro Meira no voto-vista proferido no Recurso Especial 1.211.882-RJ:
“Portanto, a IN 213/02, ao determinar que o balanço patrimonial positivo da empresa controlada ou coligada no estrangeiro seja adicionado ao lucro líquido da controladora no Brasil para efeito de determinação do lucro real do período, viola o princípio da legalidade, extrapolando o conteúdo da norma regulamentada, especificamente o artigo 25 da Lei 9.249/95.
“Por fim, o parágrafo 6º da Lei 9.249/95 não infirma as conclusões aqui adotadas.
“Com efeito, o dispositivo em tela determina que “os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos parágrafos 1º, 2º e 3º.
“A legislação vigente” a que se refere a norma, expressamente, veda a utilização do método da equivalência patrimonial para determinação do lucro real da empresa controladora ou coligada no Brasil.”
Oxalá possa o Poder Judiciário prosseguir corrigindo tamanhas ilegalidades, para que não se precise repetir a pergunta lançada no título dessa coluna: Para que servem as leis, se tudo hoje se resolve com uma instrução normativa?
Saudades do mestre Geraldo Ataliba, intransigente defensor da garantia constitucional da legalidade da tributação, veemente e corajoso crítico das arbitrariedades da administração, que sequer os regulamentos considerava dignos de leitura e que reservava apenas e tão somente às LEIS a atenção do jurista.
Infelizmente, por excesso de tolerância, preguiça ou mesmo acomodação, não se dá mais o devido respeito às leis. Não se leu a Lei 9.249/95, não se viu (ou não se quis ver) que ela proíbe expressamente que se tribute o resultado positivo da equivalência patrimonial. Que o Poder Judiciário restaure a verdade da LEI, expurgando do ordenamento jurídico a gravíssima ilegalidade cometida pela IN 213/02.
Nesse espaço Igor alertou-nos do perigo de “sobrar” para o contribuinte a conta da “guerra fiscal” entre os estados, guerra sem trégua e, pelo visto, sem data para terminar; Gustavo denunciou o absurdo interpretativo em matéria de benefícios de ICMS no âmbito do Repetro e a grande insegurança jurídica para o setor do petróleo e do gás natural que tais interpretações têm provocado; Heleno brindou-nos com um belo artigo a respeito do princípio da não discriminação, chamando a atenção para a necessidade do intérprete da Lei Maior trilhar o caminho da razão em busca da concretização dos direitos nela assegurados com razoabilidade e proporcionalidade.
De nossa parte, demonstramos o nonsense da legislação em matéria de lucros no exterior, que tributa nas mãos de empresas nacionais os lucros de empresas estrangeiras, no momento da mera apuração, independentemente da efetiva distribuição. Trata-se de uma legislação que desconsidera a personalidade jurídica de empresas domiciliadas em terceiros países de forma genérica, isto é, não importando o local de domicílio, tributa-se da mesma forma os lucros de empresas domiciliadas em países tão distintos quanto as Ilhas Cayman e Cuba, os Estados Unidos e Angola, a Holanda e a Bolívia.
Trata-se de uma legislação que tributa os lucros das empresas estrangeiras sem distinguir consoante a natureza dos mesmos, isto é, não importa se os lucros provêm de juros, de aluguéis, da licença de uso de software ou da exploração de atividades comercial, industrial ou financeira. Todos os lucros, sem exceção, são tributados quando da sua apuração no exterior. É a verdadeira “globalização” dos poderes de tributação do Fisco brasileiro!
Como já alertamos na coluna anterior, nossa legislação representa um gravíssimo ônus para o empresário brasileiro, já que priva o empreendedor de se beneficiar de alíquotas mais baixas praticadas nos países das investidas, seja em razão das próprias leis internas gerais, seja em razão de medidas específicas de desoneração para a atração de investimentos. Mas o que é pior, se por um lado tributa os lucros de empresas estrangeiras como se fossem lucros de empresas nacionais, por outro lado não permite a compensação das perdas ou prejuízos. Ou seja, o Estado brasileiro só quer ser “sócio” nos lucros das empresas estrangeiras.
Os defensores dessa legislação têm sustentado que o Brasil não tributa o lucro da empresa estrangeira, mas sim o lucro da sócia brasileira, do qual o lucro da empresa estrangeira é parte integrante, em razão do método da equivalência patrimonial, de aplicação obrigatória a investimentos em controladas e coligadas, ex vi do artigo 248 da Lei 6.404/76.
Discordamos veementemente dessa assertiva e na coluna de hoje iremos demonstrar que a tributação do “resultado positivo da equivalência patrimonial” não tem qualquer embasamento legal.
O método da equivalência patrimonial é uma técnica contábil adotada pela legislação societária para avaliação de investimentos em controladas e coligadas, que registra no patrimônio das investidoras as mutações patrimoniais ocorridas no patrimônio das investidas.[1]
A referência ao “resultado positivo da equivalência patrimonial” como base para incidência do imposto de renda é uma criação da Administração Fiscal, que surgiu no artigo 7º, parágrafo 1º da Instrução Normativa 213/02[2].
A leitura da LEI — em caixa alta — pode ser cansativa, mas faz-se necessária para demonstrar que em seu texto não há autorização para tributar o resultado positivo da equivalência patrimonial.
Assim dispõe o artigo 25 da Lei 9.249/95 em sua íntegra:
“Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.
“§ 1º Os rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na apuração do lucro líquido das pessoas jurídicas com observância do seguinte:
I — os rendimentos e ganhos de capital serão convertidos em Reais de acordo com a taxa de câmbio, para venda, na data em que forem contabilizados no Brasil;
II — caso a moeda em que for auferido o rendimento ou ganho de capital não tiver cotação no Brasil, será ela convertida em dólares norte-americanos e, em seguida, em Reais;
“§ 2º Os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
I — as filiais, sucursais e controladas deverão demonstrar a apuração dos lucros que auferirem em cada um de seus exercícios fiscais, segundo as normas da legislação brasileira;
II — os lucros a que se refere o inciso I serão adicionados ao lucro líquido da matriz ou controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real;
III — se a pessoa jurídica se extinguir no curso do exercício, deverá adicionar ao seu lucro líquido os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, até a data do balanço de encerramento;
IV — as demonstrações financeiras das filiais, sucursais e controladas que embasarem as demonstrações em Reais deverão ser mantidas no Brasil pelo prazo previsto no art. 173 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
“§ 3º Os lucros auferidos no exterior por coligadas de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
I — os lucros realizados pela coligada serão adicionados ao lucro líquido, na proporção da participação da pessoa jurídica no capital da coligada;
II — os lucros a serem computados na apuração do lucro real são os apurados no balanço ou balanços levantados pela coligada no curso do período-base da pessoa jurídica;
III — se a pessoa jurídica se extinguir no curso do exercício, deverá adicionar ao seu lucro líquido, para apuração do lucro real, sua participação nos lucros da coligada apurados por esta em balanços levantados até a data do balanço de encerramento da pessoa jurídica;
IV — a pessoa jurídica deverá conservar em seu poder cópia das demonstrações financeiras da coligada.
“§ 4º Os lucros a que se referem os §§ 2º e 3º serão convertidos em Reais pela taxa de câmbio, para venda, do dia das demonstrações financeiras em que tenham sido apurados os lucros da filial, sucursal, controlada ou coligada.
“§ 5º Os prejuízos e perdas decorrentes das operações referidas neste artigo não serão compensados com lucros auferidos no Brasil.
“§ 6º Os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos §§ 1º, 2º e 3º. (grifos nossos)
A leitura da LEI confirma que a tributação no Brasil incide sobre os “lucros auferidos por controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil”, lucros esses que “(...) serão adicionados ao lucro líquido da (...) controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real” (art. 25, § 2º).
A leitura da LEI revela que a disciplina do artigo 25, parágrafo 2º não modifica, nem interfere no tratamento aplicável aos “resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial”, que “(...) continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos §§ 1º, 2º e 3º”.
O tratamento em questão está disciplinado no parágrafo único do artigo 23 Decreto-lei 1.598/77, com a redação dada pelo artigo 1º, IV do Decreto-lei 1.648/78, segundo o qual “não serão computados na determinação do lucro real as contrapartidas de ajuste do valor do investimento ou de amortização de ágio ou deságio na aquisição, nem os ganhos ou perdas de capital derivados de investimentos em sociedades estrangeiras coligadas ou controladas que não funcionem no país”.
Assim, nos termos da LEI os resultados de avaliação dos investimentos no exterior pelo método da equivalência patrimonial, isto é, as “contrapartidas de ajuste do valor do investimento em sociedades estrangeiras controladas”, não são computados na determinação do lucro real.
A IN 213/02 inovou radicalmente, elegendo uma nova hipótese de incidência e, por conseguinte, uma nova base de cálculo para o imposto, qual seja: o resultado positivo da equivalência patrimonial (art. 7º, § 1º).
A IN 213/02 contrariou a LEI, que apenas permite a tributação do “lucro” da controlada no exterior (art. 25, § 2º), nunca, jamais, tendo feito qualquer referência ao “resultado positivo da equivalência patrimonial” no sentido de se poder identificá-lo como hipótese de incidência do tributo.
Muito pelo contrário, o artigo 25, parágrafo 6º da Lei 9.249/95 é expresso em determinar que “os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos parágrafos 1º, 2º e 3º” e referido tratamento é exatamente o oposto daquele adotado pela IN 213/02. Com efeito, o resultado positivo da equivalência patrimonial de investimentos em controladas no exterior está total e absolutamente exonerado de tributação nos termos da legislação vigente.[3]
Certo ou errado, razoável ou não, o objeto da tributação legalmente previsto é o lucro da controlada no exterior e só este. Nunca, jamais, o resultado positivo da avaliação do investimento pelo método da equivalência patrimonial.
Arvorar como objeto da tributação uma realidade que a própria lei determinou não fosse nela considerado, como o resultado positivo da equivalência patrimonial, representa forçar a realidade normativa para lhe imprimir um significado e alcance que não tem. Tal assimilação jamais foi feita pela LEI, representando inovação de mero ato administrativo, em violenta afronta do princípio da legalidade da tributação (art. 150, I da CF/88).
Tamanha ilegalidade não passou despercebida pelo ministro Castro Meira no voto-vista proferido no Recurso Especial 1.211.882-RJ:
“Portanto, a IN 213/02, ao determinar que o balanço patrimonial positivo da empresa controlada ou coligada no estrangeiro seja adicionado ao lucro líquido da controladora no Brasil para efeito de determinação do lucro real do período, viola o princípio da legalidade, extrapolando o conteúdo da norma regulamentada, especificamente o artigo 25 da Lei 9.249/95.
“Por fim, o parágrafo 6º da Lei 9.249/95 não infirma as conclusões aqui adotadas.
“Com efeito, o dispositivo em tela determina que “os resultados da avaliação dos investimentos no exterior, pelo método da equivalência patrimonial, continuarão a ter o tratamento previsto na legislação vigente, sem prejuízo do disposto nos parágrafos 1º, 2º e 3º.
“A legislação vigente” a que se refere a norma, expressamente, veda a utilização do método da equivalência patrimonial para determinação do lucro real da empresa controladora ou coligada no Brasil.”
Oxalá possa o Poder Judiciário prosseguir corrigindo tamanhas ilegalidades, para que não se precise repetir a pergunta lançada no título dessa coluna: Para que servem as leis, se tudo hoje se resolve com uma instrução normativa?
Saudades do mestre Geraldo Ataliba, intransigente defensor da garantia constitucional da legalidade da tributação, veemente e corajoso crítico das arbitrariedades da administração, que sequer os regulamentos considerava dignos de leitura e que reservava apenas e tão somente às LEIS a atenção do jurista.
Infelizmente, por excesso de tolerância, preguiça ou mesmo acomodação, não se dá mais o devido respeito às leis. Não se leu a Lei 9.249/95, não se viu (ou não se quis ver) que ela proíbe expressamente que se tribute o resultado positivo da equivalência patrimonial. Que o Poder Judiciário restaure a verdade da LEI, expurgando do ordenamento jurídico a gravíssima ilegalidade cometida pela IN 213/02.
[1] Para
maiores desenvolvimentos sobre o tema, Cfr. ALBERTO XAVIER, Direito
Tributário Internacional do Brasil, 7ª Ed., Rio de Janeiro, 2010, p. 404 e
ss.
[2]
“Art. 7º A contrapartida do ajuste do valor do
investimento no exterior em filial, sucursal, controlada ou coligada, avaliado
pelo método da equivalência patrimonial, conforme estabelece a legislação
comercial e fiscal brasileira, deverá ser registrada para apuração do lucro
contábil da pessoa jurídica no Brasil. § 1º Os valores relativos ao
resultado positivo da equivalência patrimonial, não tributados no transcorrer do
ano-calendário, deverão ser considerados no balanço levantado em 31 de dezembro
do ano-calendário para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo
da CSLL.”
[3] Referido
tratamento era corretamente reconhecido pela Instrução Normativa n.º 38/96, cujo
art. 11 dispunha que “a contrapartida do ajuste de investimento no exterior,
avaliado pelo método da equivalência patrimonial, não será computada na
determinação do lucro real”.
Roberto Duque
Estrada é advogado no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Sócio do
escritório Xavier Bragança Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 8 de fevereiro
de 2012
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