AMPLA DEFESA NA INVESTIGAÇÃO ANTIDUMPING
No Brasil, o protecionismo comercial durou até o final da década de 90. Até então, as importações eram tidas como algo totalmente prejudicial ao País. Vivíamos com restrições tecnológicas e com produtos nacionais caros. O consumidor brasileiro não tinha escolha na hora da compra já que os produtos estrangeiros eram inacessíveis em virtude das altas barreiras tarifárias e não tarifárias, tais como proibições, cotas, licenças etc.
Para alguns este cenário protecionista parecia trazer vantagens, mas o excesso de proteção trouxe efeitos nocivos para o mercado interno. A intervenção do Estado brasileiro no comércio exterior ao invés de garantir o tão esperado desenvolvimento, gerou uma espécie de atrofia devido a baixos investimentos em modernização tecnológica. Ao final, restaram prejudicadas as empresas, dotadas de baixa competitividade, e especialmente o destinatário final dos produtos, o consumidor.
Segundo os estudiosos do assunto:
"O protecionismo, via de regra, protege os mais ricos e fortes, longe de fornecer uma malha de legítima proteção social às populações mais carentes, que muito se beneficiariam se o comércio mundial fosse, de fato, livre, justo, harmonioso e equilibrado." (Antônio Carlos Rodrigues do Amaral, in Direito do Comércio Internacional: Aspectos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Lex Editora, 2006. p. 64).
Com a reforma administrativa do Estado levada a cabo em 1990, promoveu-se a abertura comercial brasileira com a liberação gradativa das importações. Com isso o País avançou muito. O consumidor ganhou poder de escolha e a concorrência global produziu um aumento na qualidade e uma diminuição nos preços dos produtos nacionais. A própria indústria brasileira, por sua vez, se beneficiou com investimentos em máquinas importadas novas e usadas, agregadas de tecnologias capazes de aumentar a produtividade e a rentabilidade.
Assim, termina o ciclo do protecionismo "geriátrico". Atualmente, o Brasil é signatário do Gatt/OMC e a defesa comercial deve pautar-se nas normas do referido Acordo Internacional. Para cada tipo de ataque externo à indústria nacional há um remédio apropriado: para a prática de dumping, existem medidas antidumping; para surtos de importação, as salvaguardas e para subsídios estatais, as medidas compensatórias.
Analisando especificamente o dumping. Temos que ele é entendido como uma prática desleal de comércio que busca eliminar os concorrentes por meio de preços abaixo do normal.
Sua definição legal encontra-se no Decreto nº 1.602/95, a saber: considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor normal (art. 4º). Considera-se valor normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador (art. 5º).
O referido normativo regulamenta as normas que disciplinam os procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas antidumping. Subsidiariamente é aplicada a Lei nº 9.784/99.
O art. 3º do Decreto determina que compete à Secretaria de Comércio Exterior (Secex) a condução do processo administrativo de investigação sobre a existência de dumping. Ao final, cabe ao órgão propor à Camex a aplicação de uma medida antidumping ou o encerramento da investigação sem imposição da mesma.
O peculiar nesse processo é o fato de o julgamento ser realizado pelos próprios agentes públicos competentes a promover a defesa comercial. Situação que pode ser eticamente conflitante e ter por corolário um processo "predestinado", embora, sem sombra de dúvida, o Decreto garanta o direito de ampla defesa às partes envolvidas:
"Art. 31 - Ao longo da investigação, as partes interessadas disporão de ampla oportunidade de defesa de seus interesses. (...)" (Decreto nº 1.602/95)
Neste ponto o Decreto está em plena harmonia com a Constituição Federal de 1988:
"Art. 5º - (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
Ademais, o conceito de ampla defesa deve abranger também os recursos administrativos previstos na Lei nº 9.784/99. E para garantir a revisão do julgamento, o Artigo 13 do Acordo Antidumping da OMC (ou AAD) determina a existência de tribunais arbitrais administrativos ou ligados ao judiciário, ou ainda procedimentos com vistas a, inter alia, realizar pronta revisão das medidas administrativas relativas às determinações finais e às revisões das determinações, de acordo com o disposto no Artigo 11. Segundo o AAD, esses tribunais, ou os procedimentos mencionados, deverão ser independentes das autoridades responsáveis pelas determinações ou revisões aludidas. (grifamos)
Destaque-se que o citado Artigo 13 preconiza a existência de julgadores administrativamente independentes, isto é, em órgãos distintos. Essa garantia processual não se confunde com a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, que também é fundamental (vide art. 56 da Lei nº 9.784/99).
Salvo melhor juízo, ainda não há no Brasil a plena aplicação do Artigo 13 do AAD, já que não existem tribunais independentes das autoridades responsáveis pelas determinações ou revisões, o que, a nosso ver, fere sobremaneira os direitos fundamentais. As decisões antidumping têm sido fruto do julgamento exclusivo da Secex e da Camex e, por vezes, o Judiciário tem se declarado incompetente para substituir a análise técnica desses órgãos, conforme Acórdão abaixo:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.105.993 - PR Rel.: Min. Eliana Calmon/2ª Turma STJ
"( ) 6. O Poder Judiciário não pode substituir-se à Secex, órgão administrativo especializado nas investigações relativas a dumping, cabendo-lhe apenas o controle da aplicação das normas procedimentais estabelecidas. ( ) (STJ/DJe de 18/02/2010)"
Concluímos assim que, para o Brasil cumprir plenamente o Acordo Antidumping da OMC, deveriam ser criados tribunais independentes das autoridades responsáveis pelas determinações ou revisões de medidas antidumping.
Por fim, concordamos com os dizeres de Otto Rezende, especialista em comércio exterior, a saber:
"A atual política de defesa comercial, se aplicada sem o direito à ampla defesa, pode trazer de volta o protecionismo que tanto freou o desenvolvimento nos anos 80. Protegidas pela cortina de fumaça do dumping, algumas empresas podem tentar criar uma reserva do mercado doméstico para seus produtos, o que poderia lhes permitir elevar e impor preços aos consumidores. Hoje, a China é a grande vilã, aquela que avilta mercados e destrói setores indústrias. Esse paradigma, ainda não contestado devidamente, aliado a uma predisposição de proteção à indústria nacional, cria o cenário ideal para que algumas empresas mantenham ou até mesmo aumentem seus lucros sem a necessidade de investir em tecnologia, processos e máquinas. Nesse contexto quem paga a conta é o consumidor que, sem a concorrência sadia, paga mais por produtos inferiores".
PAULO ROBERTO SEREJO CARL
No Brasil, o protecionismo comercial durou até o final da década de 90. Até então, as importações eram tidas como algo totalmente prejudicial ao País. Vivíamos com restrições tecnológicas e com produtos nacionais caros. O consumidor brasileiro não tinha escolha na hora da compra já que os produtos estrangeiros eram inacessíveis em virtude das altas barreiras tarifárias e não tarifárias, tais como proibições, cotas, licenças etc.
Para alguns este cenário protecionista parecia trazer vantagens, mas o excesso de proteção trouxe efeitos nocivos para o mercado interno. A intervenção do Estado brasileiro no comércio exterior ao invés de garantir o tão esperado desenvolvimento, gerou uma espécie de atrofia devido a baixos investimentos em modernização tecnológica. Ao final, restaram prejudicadas as empresas, dotadas de baixa competitividade, e especialmente o destinatário final dos produtos, o consumidor.
Segundo os estudiosos do assunto:
"O protecionismo, via de regra, protege os mais ricos e fortes, longe de fornecer uma malha de legítima proteção social às populações mais carentes, que muito se beneficiariam se o comércio mundial fosse, de fato, livre, justo, harmonioso e equilibrado." (Antônio Carlos Rodrigues do Amaral, in Direito do Comércio Internacional: Aspectos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Lex Editora, 2006. p. 64).
Com a reforma administrativa do Estado levada a cabo em 1990, promoveu-se a abertura comercial brasileira com a liberação gradativa das importações. Com isso o País avançou muito. O consumidor ganhou poder de escolha e a concorrência global produziu um aumento na qualidade e uma diminuição nos preços dos produtos nacionais. A própria indústria brasileira, por sua vez, se beneficiou com investimentos em máquinas importadas novas e usadas, agregadas de tecnologias capazes de aumentar a produtividade e a rentabilidade.
Assim, termina o ciclo do protecionismo "geriátrico". Atualmente, o Brasil é signatário do Gatt/OMC e a defesa comercial deve pautar-se nas normas do referido Acordo Internacional. Para cada tipo de ataque externo à indústria nacional há um remédio apropriado: para a prática de dumping, existem medidas antidumping; para surtos de importação, as salvaguardas e para subsídios estatais, as medidas compensatórias.
Analisando especificamente o dumping. Temos que ele é entendido como uma prática desleal de comércio que busca eliminar os concorrentes por meio de preços abaixo do normal.
Sua definição legal encontra-se no Decreto nº 1.602/95, a saber: considera-se prática de dumping a introdução de um bem no mercado doméstico, inclusive sob as modalidades de drawback, a preço de exportação inferior ao valor normal (art. 4º). Considera-se valor normal o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador (art. 5º).
O referido normativo regulamenta as normas que disciplinam os procedimentos administrativos, relativos à aplicação de medidas antidumping. Subsidiariamente é aplicada a Lei nº 9.784/99.
O art. 3º do Decreto determina que compete à Secretaria de Comércio Exterior (Secex) a condução do processo administrativo de investigação sobre a existência de dumping. Ao final, cabe ao órgão propor à Camex a aplicação de uma medida antidumping ou o encerramento da investigação sem imposição da mesma.
O peculiar nesse processo é o fato de o julgamento ser realizado pelos próprios agentes públicos competentes a promover a defesa comercial. Situação que pode ser eticamente conflitante e ter por corolário um processo "predestinado", embora, sem sombra de dúvida, o Decreto garanta o direito de ampla defesa às partes envolvidas:
"Art. 31 - Ao longo da investigação, as partes interessadas disporão de ampla oportunidade de defesa de seus interesses. (...)" (Decreto nº 1.602/95)
Neste ponto o Decreto está em plena harmonia com a Constituição Federal de 1988:
"Art. 5º - (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
Ademais, o conceito de ampla defesa deve abranger também os recursos administrativos previstos na Lei nº 9.784/99. E para garantir a revisão do julgamento, o Artigo 13 do Acordo Antidumping da OMC (ou AAD) determina a existência de tribunais arbitrais administrativos ou ligados ao judiciário, ou ainda procedimentos com vistas a, inter alia, realizar pronta revisão das medidas administrativas relativas às determinações finais e às revisões das determinações, de acordo com o disposto no Artigo 11. Segundo o AAD, esses tribunais, ou os procedimentos mencionados, deverão ser independentes das autoridades responsáveis pelas determinações ou revisões aludidas. (grifamos)
Destaque-se que o citado Artigo 13 preconiza a existência de julgadores administrativamente independentes, isto é, em órgãos distintos. Essa garantia processual não se confunde com a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, que também é fundamental (vide art. 56 da Lei nº 9.784/99).
Salvo melhor juízo, ainda não há no Brasil a plena aplicação do Artigo 13 do AAD, já que não existem tribunais independentes das autoridades responsáveis pelas determinações ou revisões, o que, a nosso ver, fere sobremaneira os direitos fundamentais. As decisões antidumping têm sido fruto do julgamento exclusivo da Secex e da Camex e, por vezes, o Judiciário tem se declarado incompetente para substituir a análise técnica desses órgãos, conforme Acórdão abaixo:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.105.993 - PR Rel.: Min. Eliana Calmon/2ª Turma STJ
"( ) 6. O Poder Judiciário não pode substituir-se à Secex, órgão administrativo especializado nas investigações relativas a dumping, cabendo-lhe apenas o controle da aplicação das normas procedimentais estabelecidas. ( ) (STJ/DJe de 18/02/2010)"
Concluímos assim que, para o Brasil cumprir plenamente o Acordo Antidumping da OMC, deveriam ser criados tribunais independentes das autoridades responsáveis pelas determinações ou revisões de medidas antidumping.
Por fim, concordamos com os dizeres de Otto Rezende, especialista em comércio exterior, a saber:
"A atual política de defesa comercial, se aplicada sem o direito à ampla defesa, pode trazer de volta o protecionismo que tanto freou o desenvolvimento nos anos 80. Protegidas pela cortina de fumaça do dumping, algumas empresas podem tentar criar uma reserva do mercado doméstico para seus produtos, o que poderia lhes permitir elevar e impor preços aos consumidores. Hoje, a China é a grande vilã, aquela que avilta mercados e destrói setores indústrias. Esse paradigma, ainda não contestado devidamente, aliado a uma predisposição de proteção à indústria nacional, cria o cenário ideal para que algumas empresas mantenham ou até mesmo aumentem seus lucros sem a necessidade de investir em tecnologia, processos e máquinas. Nesse contexto quem paga a conta é o consumidor que, sem a concorrência sadia, paga mais por produtos inferiores".
PAULO ROBERTO SEREJO CARL
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