LEGISLAÇÃO

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Quando a prática se distancia da teoria no comércio exterior
Por ser professor de comércio exterior e despachante aduaneiro, consigo averiguar o quanto a teoria se afasta da prática em alguns setores, principalmente no serviço público. E hoje irei relatar um caso particular, vivido por mim e por muitos que trabalham assessorando empresas em questões aduaneiras.

A falta de eficácia da alfândega brasileira não é nenhuma novidade para todos, mesmo para aqueles que não trabalham com importação. Mesmo assim, o governo insiste em relatar que busca as melhores práticas no serviço público.

Mas não é só a alfândega que presta um serviço ruim. A SECEX também não fica para trás, principalmente quando a ponta final é o Banco do Brasil.

Um dos maiores bancos no Brasil mantém um convênio de cooperação técnica com a SECEX para analisar e efetuar o deferimento do licenciamento de importação desde 1953, no então governo Getúlio Vargas. Na ocasião, era chamada de Carteira de Comércio Exterior.

Atualmente, vários produtos que necessitam de licenciamento não-automático estão sobre a égide do Banco do Brasil. E é aí que reside o problema.

Eu assessoro uma empresa importadora de pneus produzidos em vários lugares no mundo. Desde a Argentina até a Bielorússia. Esse tipo de produto requer anuência em dois lugares: Ibama e DECEX (através do Banco do Brasil).

O primeiro órgão, que aparentemente deveria ser mais complicado, mais difícil de trabalhar, é o mais sofisticado que oferece total interatividade com os importadores. Tudo é feito através do seu website, e não há nenhuma necessidade de contato telefônico com ninguém.

Da certificação de distribuição exigida para deferimento da Licença até a inclusão do número gerado pelo Siscomex, tudo é feito por meio da internet, sem nenhuma complicação. Inclusive há um manual muito bem escrito e detalhado, que tira qualquer dúvida.

Já para o DECEX, parece que estamos na era jurássica. Até bem pouco tempo, o pedido de licenciamento de importação era feito por meio de um protocolo preenchido em duas vias e protocolizado no Banco do GECEX (local específico dentro das agências do Banco do Brasil que operam com comércio exterior), depois de feito o pagamento da taxa de serviço.

Atualmente, esse serviço é feito por um sistema do BB, chamado gerenciador financeiro, mas que mesmo assim não mudou muita coisa. O principal entrave é sistemático e não de sistema.

Sabemos que o Banco do Brasil também opera no mercado financeiro e como banco comercial. Ele concorre com diversos outros bancos, como Itaú, Bradesco, Santander, HSBC, entre vários, mas no comércio exterior ele é exclusivo. E essa exclusividade trás um status para os funcionários de que não há qualquer compromisso com a celeridade, com o senso de urgência, com a informação bem dada que o dia-a-dia das importações necessita.

Voltando ao meu caso, o importador precisa que um licenciamento seja autorizado em três dias, que é o tempo que a fábrica prepara o embarque até chegar ao porto mais próximo. Como temos a documentação antecipada em 01 ou 02 dias antes dessa preparação, emitimos a licença e efetuamos o protocolo através do sistema do BB.

E então começa a nossa Via Crúcis. O banco tem um sistema próprio de gerenciar sua fila e não se sensibiliza com a sua necessidade. Até aí, nada de importante, pois todos nós temos urgência e o banco não possui apenas um cliente. O problema é a forma como os funcionários do banco lhe dão a informação.

 Recentemente eu entrei em contato com o setor responsável do banco para saber qual era o prazo médio que eles estavam tendo para deferir uma licença de importação para pneus. Nada demais nessa pergunta, afinal eu queria fazer uma programação de embarque e decidir junto com o importador se as cargas que já estavam prontas poderiam ser embarcadas.

Mas para minha surpresa, o funcionário me disse por telefone que “de acordo com o Art. 18 da Portaria SECEX nº 10, de 24/05/2010, os pedidos de importação têm prazo máximo de 60 dias corridos para tramitação pelo órgão anuente, que poderá ser ultrapassado, quando impossível o seu cumprimento por razões que escapem ao controle do Órgão anuente do Governo Brasileiro”.

Naquele momento, eu interrompi a fala do atendente informando que eu conhecia o artigo, afinal eu estou na área há muito tempo, mas que não tinha sido aquilo que eu havia perguntado. Eu queria saber qual era o prazo médio que eles estavam trabalhando. De nada adiantou, ele repetiu a fala e desligou o telefone.

E é essa realidade de quem precisa do Banco do Brasil para deferir suas licenças de importação. Eles são os donos da verdade e possuem a norma legal lhes amparando.

Sabemos que este dispositivo da portaria Secex é uma barreira não tarifária para dificultar as importações.

Mesmo que os produtos nacionais sejam de pior qualidade, eles são protegidos por dificuldades que no final das contas encarecem o produto final. Talvez seja por essa e por outras, que o Brasil é um dos países mais fechados do mundo.

Eu defendo a tese de que este tipo de serviço precisa ter concorrências. Por que só o Banco do Brasil pode fazer o licenciamento de alguns produtos que os outros órgãos não podem?

Alguns irão dizer que é preciso ter um órgão do governo para gerenciar o que entra e o que sai do país.

Mas o Banco do Brasil é um banco como outro qualquer, e os funcionários que operam no Gecex são bancários como qualquer outro. E se eles seguem normas da SECEX e do Banco Central, por qual motivo outro banco não poderia fazer?

Tenho certeza que essa situação vivida não foi só comigo. Diversos importadores ou despachantes aduaneiros também já penaram nas mãos do BB. E por ter muitos anos de experiência, posso afirmar que são poucos os anuentes que estão comprometidos e que possuem foco nos contribuintes. Eu poderia escrever 10 mil linhas falando da Anvisa e dos seus monstruosos procedimentos.

A triste realidade de quem importa no Brasil (e de quem exporta também) é que não é oferecido pelo governo uma forma eficaz e simplificada para aproveitar as oportunidades que o comércio externo nos oferece. Se há algum procedimento a ser criado, esse é para piorar.

Em sala de aula eu ensino que as normas foram feitas para disciplinar o dia-a-dia dos processos. Porém, não é fácil convencer a ninguém que uma autorização pode levar até 60 dias para ser concedida. É muito tempo.

E também não resta dúvida que a conta sempre será paga pelo consumidor final. (tlt)
www.comexblog.com.br.

Um comentário:

Anônimo disse...

Também sou professora e despachante e acabei de passar por uma situação bem parecida. Também questiono a legitimidade desses procedimentos "internos" do banco, pois, se este representa um órgão governamental, não pode de maneira alguma privilegiar, nem exigir que os importadores utilizem serviços do banco, a exemplo do Gerenciador Financeiro.
Estamos formalizando uma reclamação junto ao DECEX e à ouvidoria do banco, colocando problemas relacionados à comunicação (muito falha) e principalmente à priorização de atendimento a correntistas.