Guerra cambial é novo obstáculo ao livre comércio, diz OMC
Para Pascal Lamy, risco é que a batalha no câmbio entre EUA e China leve outros países a aumentarem tarifas e exigência de licenças.
GENEBRA – A contínua disputa sobre o valor das moedas, especialmente entre os EUA e a China, se tornou um novo e significativo obstáculo ao livre comércio, disse Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em entrevista a The Wall Street Journal, ele disse que o risco é que a batalha no câmbio entre EUA e China leve outros países “a recorrerem a instrumentos tradicionais de comércio”, tais como aumentos de tarifas e exigências de licenças.
Lamy destacou que o câmbio é o domínio do Fundo Monetário Internacional (FMI). “O importante é manter os mercados abertos”, afirmou. Lamy, que participou da reunião do Grupo dos 20 (G-20) em Seul na semana passada mostrou, em geral, um tom otimista em relação ao comércio global. Afinal, as exportações informadas pelas maiores economias do mundo cresceram 23,8% para US$ 6,34 trilhões nos seis primeiros meses de 2010, de US$ 5,12 trilhões no mesmo período de 2009, segundo a consultoria Global Trade Information Services, com sede em Genebra. No primeiro semestre de 2009, as exportações haviam caído 30,4% na comparação com o mesmo período de 2008.
“Os governos fizeram um bom trabalho para conter o protecionismo”, disse Lamy, que dirige a OMC desde 2005. Mas, alertou, “as nuvens do protecionismo continuam – as nuvens do protecionismo que temos visto desde o início – e agora há estas novas nuvens do câmbio.” No centro do problema, disse Lamy, está o desemprego, sobretudo em economias ricas do Ocidente. “O desemprego de 10% nos EUA é uma bomba-relógio em potencial”, acrescentou. As informações são da Dow Jones.
O Estado de São Paulo
Crise na UE ajuda a segurar câmbio
O governo brasileiro pode ganhar tempo no câmbio com o novo capítulo da crise financeira europeia, desta vez com foco na Irlanda. Diante de um cenário novamente incerto, o fluxo de recursos externos ficou mais justo e o dólar já sofreu correção. O real desvalorizou. Como deseja o governo. No último mês, o preço da moeda se descolou cerca de 5% frente à mínima do ano registrada em 13 de outubro de R$ 1,655.
Claro que parte desse efeito se deve à elevação da alíquota do IOF sobre aplicações de estrangeiros em renda fixa. Mas também é correto credita-lo à maior aversão a risco. Investidores estão com o pé atrás de olho na crise europeia potencializada pela disposição da China em brigar com a inflação.
Justamente nos dias em que o noticiário da Europa esquentou, o fluxo cambial do país ficou negativo. Na primeira quinzena de novembro, as saídas superaram as entradas em US$ 14 milhões, com entradas e saídas financeiras e comerciais praticamente empatadas. Como consequência, o ritmo das intervenções do BC que desaceleraram de US$ 379 milhões diários em outubro para US$ 162 milhões em novembro – até o dia 12.
Ontem, o fôlego do dólar ante o real diminuiu, em um movimento de ajuste. Curiosamente, durante a tarde, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sinalizou que não há necessidade de novas medidas cambiais no momento.
No radar há seis meses, a crise financeira europeia está provocando soluços nos mercados. A volatilidade das taxas de câmbio e dos índices acionários a praticamente quarenta dias da virada do ano e da definição de portfólios para 2011 reflete o interesse de investidores globais pela correção de preços dos ativos e também o temor de que a crise se agrave comprometendo ainda mais o desempenho de 25% da economia mundial.
Nesse ambiente, a primeira dificuldade é a definição dos preços dos ativos. E isso retrai ainda mais os negócios. Um bom exemplo foi visto na terça-feira, quando o Bradesco decidiu cancelar uma emissão de bônus em reais. A expectativa era de que a captação fosse de cerca de R$ 500 milhões.
“Do ponto de vista econômico, os países europeus não fizeram o prometido, até porque não faz sentido um ajuste fiscal com economias em recessão ou crescendo muito pouco. Eu não me surpreenderia se o euro [moeda] tivesse seu futuro condenado a partir da saída de países do bloco. A Irlanda pode sair. Portugal também”, comenta José Francisco de Lima Gonçalves, professor da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator, para quem as incertezas presentes no atual cenário tem como contrapartida um dólar mais forte, mesmo com o afrouxamento monetário quantitativo do Federal Reserve (banco central americano). “A China também conta. O temor de desaceleração dessa economia derruba as commodities e também fortalece o dólar. E o Brasil, com IOF ou não, é exportador de commodities. Portanto, o fluxo cambial pode ser afetado pela conta comercial”, explica.
Depois de julho, quando os mercados acreditaram que os problemas na zona do euro seriam resolvidos, o dólar começou a enfraquecer, diz Lima Gonçalves. “Agora não. Apesar do Fed, o cenário global deve sustentar a moeda americana e isso impõe incerteza quanto a nossa taxa de câmbio. E dúvida leva a aumento de prêmios de ativos”, acrescenta.
Deiwes Rubira, sócio diretor da Verus Gestão de Patrimônio e ex-presidente do holandês ING Bank no Brasil, pondera que “pragmaticamente toda crise é igual. Todos sabem que existe, mas fica o efeito pêndulo. Vai e volta. E a repercussão depende do humor do mercado”.
Esse gestor pondera que os mercados estão reagindo também a outras informações que geram tensão. Uma delas é o bombardeio disparado especialmente no G20 contra o afrouxamento monetário lançado pelo Fed para os próximos oito meses. Outra informação é a mobilização da China atenta à inflação. “Volatilidade impõe incertezas e é fato que os investidores passam a pensar duas vezes antes de tomar decisões. O fluxo cambial tende a diminuir um pouco, o que leva a correção de preços. Mas a tendência dos grandes indicadores tende a ser retomada. A liquidez abundante vai continuar existindo. A China continuará crescendo, ainda que menos. Os emergentes continuarão atraentes. O Brasil idem.”
Há quatro meses, Lima Gonçalves alertava para o risco de as economias da zona do euro prometerem ajustes fiscais severos e não entregarem os resultados. “No final do primeiro semestre, os governos da região aprovaram o European Financial Stability Mechanism and Facility – um pacote de promessas de ajustes fiscais em troca de ajuda financeira para rombos fiscais e externos considerados financiáveis. A ideia era que o anúncio de que o Euro (os governos) criaria um fundo de € 750 bilhões para financiar os países com dificuldades em suas dívidas soberanas acalmaria os mercados e ajudaria e reduzir o custo daquelas dívidas e, portanto, o ajuste fiscal. ”
O pacote, que não foi implementado, foi suficiente para acalmar os mercados por um tempo, a exemplo do que ocorreu no Brasil com as autoridades econômicas tentando “segurar o dólar no gogó”, compara o economista que não acredita que o ajuste fiscal europeu ocorrerá sem importantes repercussões. “O ajuste até pode ser feito, mas tirando empregos e direitos da população em troca de uma retomada privada que talvez não se confirme”, explica.
Valor Econômico
Mantega descarta mexer no câmbio já
Na contramão das expectativas do mercado financeiro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avaliou ontem que a queda do dólar ante o real é “insignificante” e não vê necessidade, “no momento”, de novas medidas cambiais.
Com um discurso menos alarmante do que o utilizado na reunião do G-20, quando defendeu o controle de capitais, Mantega disse que as medidas já adotadas pelo governo brasileiro para combater a guerra cambial estão dando certo e agora é o momento de “avaliar” e deixar a taxa de câmbio se acomodar.
“Vamos observar. Também não é bom ficar mexendo toda hora no câmbio”, disse o ministro. Para ele, a cotação do dólar está se mantendo num patamar “razoável” e o real foi a moeda que menos se valorizou em relação ao dólar.
As declarações do ministro, dadas no final da manhã, repercutiram negativamente no mercado financeiro. Em reação, a cotação do dólar, que já estava em queda, rapidamente acentuou o movimento de baixa. É que o mercado estava contando com medidas mais fortes do Brasil depois da reunião do G-20, realizada na semana passada em Seul, na Coreia do Sul.
Água fria. A percepção dos analistas de que o governo lançaria mão de mais um arsenal de medidas aumentou depois que Mantega fez uma enfática defesa do controle de capitais como arma para os países enfrentarem a guerra cambial.
A expectativa do mercado era a de que as medidas seriam tomadas imediatamente. Por isso, a fala do ministro funcionou como um verdadeiro balde de água fria para o mercado, que estava à espera das medidas.
Cauteloso, o ministro não descartou, porém, novas medidas cambiais no futuro. “Não vejo necessidade de novas medidas nesse momento, mas a qualquer momento sabe como é que é.”
Segundo fontes, o agravamento da crise na Irlanda, que provocou incertezas no cenário internacional e fez a cotação do dólar subir a um nível acima do R$ 1,70 (que funciona como uma espécie de piso informal para a taxa de câmbio) acabou ajudando o governo, dando mais tempo para avaliar as condições do mercado. Não foi à toa que o ministro ontem fez uma referência ao fato de a cotação do dólar no Brasil estar sendo influenciada pela crise na Irlanda.
“Está num patamar razoável. É claro que influenciado pelo problema da Irlanda, problema europeu, mas de qualquer forma mostra que as medidas que temos tomado são eficazes e o real é uma das moedas que menos têm se valorizado em relação ao dólar, portanto, está dando certo”, ponderou .
Medidas. Mas, se vier a precisar, o governo conta com algumas medidas para tentar reverter a valorização do real, entre elas a retomada da cobrança do Imposto de Renda sobre os ganhos dos investidores estrangeiros que aplicam em títulos públicos. A cobrança do tributo foi suspensa em 2006, quando a alíquota era de 15%. O uso do Fundo Soberano do Brasil (FSB) na compra de dólares no mercado de câmbio local é outra medida guardada na prateleira.
Para ampliar o poder de fogo do Fundo, no entanto, o governo terá de editar uma medida provisória permitindo ao Tesouro emitir títulos para a carteira do FSB. Com isso, o volume de compra de moeda estrangeira pelo Fundo seria praticamente ilimitado, já que tudo dependeria da disponibilidade do Tesouro em emitir novos papéis. Até mesmo a quarentena para entrada de capital no mercado financeiro não é descartada pela equipe econômica, caso a desvalorização do dólar volte a se acentuar.
O Estado de São Paulo
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