Corregedoria vai corrigir inferno fiscal
Por Raul HaidarA Receita Federal e a Polícia Federal desenvolveram na semana passada um trabalho chamado de “maior operação conjunta de combate à corrupção da história da Corregedoria”, anunciando que o prejuízo ao erário pode ultrapassar R$ 3 bilhões.
Foram expedidos mandados de prisão contra servidores públicos e mais de 20 mandados de busca e apreensão, tudo relacionado com supostas fraudes cometidas na região de Osasco. Na sexta-feira (12/8) o jornal O Estado de São Paulo publicou detalhes, inclusive o nome de empresas envolvidas. A reportagem traz foto de grande quantidade de dinheiro apreendido.
Todos nós devemos aplaudir o trabalho de combate à corrupção e à sonegação. Esses dois crimes caminham pela mesma estrada, que só tem uma única pista, com bandidos em ambos os lados. Mas bandido só é bandido depois que a Justiça assim o decidir. A presunção da inocência é cláusula pétrea da nossa Constituição e faz parte das garantias da declaração universal dos direitos humanos. Por outro lado, a divulgação dos nomes das empresas é altamente prejudicial, além de ser ilegal: fere o artigo 198 do Código Tributário Nacional.
A simples divulgação do nome de uma empresa, antes do julgamento definitivo, pode ter consequências trágicas. Na matéria divulgada na sexta-feira, vemos o nome de empresas respeitáveis, de grande porte em seus ramos, cujos fornecedores, clientes ou investidores certamente estão muito preocupados com tudo isso e poderão rever seus negócios com quem pode estar envolvido numa fraude que pode ultrapassar R$ 3 bilhões.
Já houve no passado o caso de uma empresa autuada em mais de 300 milhões de dólares, que teve grande repercussão na mídia. Uma procuradora deu entrevistas dizendo que os diretores seriam presos e teriam seus bens bloqueados. Bancos suspenderam os créditos. Os parceiros internacionais cancelaram os negócios e em menos de um ano ela simplesmente fechou as portas, com mais de mil funcionários sem emprego.
Mas a empresa defendeu-se e já na esfera administrativa, em primeira instância, a Receita Federal cancelou o auto de infração, pois o contribuinte provou, na defesa apresentada por seu advogado, que seus procedimentos erram corretos. Pena que o julgamento tenha demorado dois anos. Já era tarde demais.
Isso já aconteceu em várias outras oportunidades e em passado recente. Numa delas, a vítima processou o governo por danos morais e ganhou a ação. Não sei se já recebeu, pois como se sabe, o governo cobra bem, mas é um péssimo pagador.
No caso atual, anuncia-se que a Receita vai fiscalizar novamente as empresas. Por incrível que pareça isso pode ser muito bom. Como nós temos uma legislação de péssima qualidade, existe a possibilidade de um fiscal aplicar a multa interpretando a lei de forma distorcida, com o que o auto já lavrado seja muitas vezes maior do que o valor realmente devido no caso.
Com um auto de infração absurdamente elevado o fiscal corrupto ou os seus cúmplices (aqui incluídos bandidos com carteira de advogado) pode propor uma forma de reduzir a multa, dando-se o tal “jeitinho”.
Essa modalidade criminosa pode ocorrer em todos os níveis de fiscalização, seja federal, estadual ou municipal. Exatamente por isso é que há a necessidade de se estabelecer limites razoáveis para as multas, de forma que elas não possam representar a pena de morte sobre a empresa.
Na legislação atual uma simples guia com alguns erros, sem qualquer sonegação, pode gerar multa de mais de R$ 50 milhões! É a lei mal feita, abrindo caminhos para o passeio de criminosos. E o pior: os tribunais administrativos ignoram a norma do artigo 150, IV da Constituição Federal, admitindo multas absurdas. Com isso cada vez mais se tornam meros departamentos de homologação de autos de infração.
A administração não só pode como deve cancelar todos os autos de infração que tenham sido lavrados com fortes indícios de serem produtos de corrupção. Só há duas hipóteses: a) o auto de infração foi muito alto para servir de instrumento de achaque ou : b) foi muito baixo por ser produto de um achaque já ocorrido. Nas duas hipóteses o não cancelamento pode ser crime de prevaricação.
A mesma notícia dá conta que até ex-servidores estariam participando dos atos ilícitos. Talvez seja o caso da Corregedoria intensificar a fiscalização sobre a atuação dessas pessoas perante as repartições. Aliás, a investigação será bem simples: basta procurar os anúncios de assessoria fiscal, consultoria tributária etc.
Todavia, o nome do trabalho (ou operação como eles preferem) parece-nos que foi infeliz. Deram o apelido de Paraíso Fiscal. Mas o que vemos aqui não tem nada de paraíso.
Quanto aos servidores públicos, o caso é muito triste, típico de inferno. Pessoas de elevado nível cultural, muito bem treinadas, razoavelmente remuneradas, com todas as garantias da carreira pública, submetem-se a si mesmas e a seus familiares aos óbvios riscos de perderem tudo isso e, principalmente, o respeito que deveriam merecer. Tudo por causa de quase nada: riquezas materiais.
Os empresários vivem há muito tempo no inferno, por enfrentarem as dificuldades que aqui já citamos várias vezes: carga tributária elevada, burocracia infernal, insegurança jurídica e todas aquelas outras coisas que nos permitem definir que, se existem paraísos fiscais no mundo, todos os infernos estão aqui mesmo.
Sem dúvida as empresas mencionadas na reportagem verão anulados os autos já lavrados. Se forem de pequeno valor, não adianta sair correndo e pagar na esperança de resolver o problema. Produto de fraude não gera imunidade. No máximo o seu valor será abatido no auto que vai ser lavrado em breve.
A tal “operação” deve servir de alerta para todos os contribuintes. Não existe mais a mínima possibilidade de que autos de infração sejam engavetados ou arquivados mediante um jeitinho. Hoje todos os dados e operações dos contribuintes são cruzados o tempo todo. Deve-se manter um controle rigoroso sobre os documentos e operações e se houver alguma proposta de “acerto”, cuidado! Você pensa no paraíso, mas negocia com o capeta e vai acabar no inferno.
Raul Haidar é advogado tributarista, jornalista e membro do Conselho Editorial da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2011
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