Sem crise
O pânico geral que atingiu o mundo - na segunda-feira, resultado do rebaixamento do rating dos Estados Unidos, de "AAA" para "AA+", com perspectiva de queda, pela agência de classificação de riscos Standard & Poor's, não assusta o agronegócio brasileiro.
Nem mesmo as tradings se mostram apreensivas com o desenrolar dos efeitos pós-downrating.
O setor prevê uma receita de US$ 86 bilhões das exportações durante este ano e um superávit recorde, projeção que para alguns é até mesmo conservadora. As razões para a manutenção do otimismo estão no aumento constante da demanda por alimentos, o que tem provocado elevação dos preços das commodities agrícolas.
No pior dos quadros, segundo o setor, a pressão sobre o valor dos produtos agropecuários pode arrefecer por conta de um crescimento menor do interesse por esses produtos.
Especialistas e tradings acreditam que nem mesmo esse movimento de queda dos preços das commodities agrícolas se sustenta. Desde o ano passado os alimentos têm-se valorizado no mercado internacional.
Países como a França já fizeram movimentos para tentar conter essa tendência, mas sem sucesso. Já nos últimos dias, até por conta da perspectiva de uma nova crise mundial, os preços começaram a cair, mas num ritmo bem mais lento do que se poderia supor.
O motivo é simples: a população global tem aumentado, e muitos países -como Índia, China, Rússia e até mesmo a África do Sul- registram elevação do poder aquisitivo da população, o que se reverte em melhor alimentação.
Esse círculo virtuoso provoca aumento de demanda e a consequente pressão sobre os preços dos produtos agropecuários. Não existe possibilidade de haver queda da procura mundial por alimentos. A própria crise financeira na Europa tem mostrado isso.
Mas os problemas podem interromper um processo que interessa muito ao Brasil: o fim dos subsídios e do protecionismo de vários países ao setor agropecuário.
Embora essa discussão seja mais política do que econômica, dificuldades financeiras geradas por queda de receita podem levar os governos a recuar na análise de projetos de políticas públicas de eliminação dessas vantagens para seus produtores.
Estar preparado, porém, não significa estar imune aos danos colaterais de uma desaceleração forte ou recessão nas economias centrais. Se a crise se aprofundar e se alongar, como tudo indica, o Brasil pagará com menos crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Os analistas já projetam taxas mais modestas de crescimento para este e para o próximo ano, algo na casa dos 3%, abaixo dos 4% a 4,5% que o governo desejava.
Hoje o país está com os indicadores econômicos e de solvência bem mais fortes do que em 2008, quando a primeira crise global do século abalou as economias maduras. Com reservas cambiais próximas a US$ 350 bilhões, bem superiores aos US$ 198,8 bilhões de 2008, o país tem um seguro para fazer frente a eventual escassez de recursos externos.
Os compulsórios dos bancos no Banco Central (BC) somam R$ 420 bilhões. Em 2008, eram de R$ 258 bilhões e foram um poderoso instrumento para dar liquidez aos bancos pequenos e para fornecer crédito à economia, que ainda assim sofreu com uma recessão.
As contas públicas continuam sólidas. O superávit primário consolidado atingiu R$ 78,2 bilhões (3,99% do PIB) no primeiro semestre e, no acumulado de doze meses até junho alcançou 3,54% do PIB. As receitas extras do governo federal surpreendem - em julho somaram R$ 7,5 bilhões - e a determinação da presidente Dilma Rousseff é que não se gastem esses recursos. Em dois meses, a arrecadação extra (superior às expectativas otimistas) já totaliza R$ 14 bilhões e isso pode reforçar o superávit primário, cuja meta é de 2,9% do PIB.
Ao contrário do passado não muito distante, hoje o país não tem risco de solvência - o mais grave problema das economias desenvolvidas, que abalou a confiança dos mercados e gerou pânico nos últimos dias. A dívida líquida do setor público corresponde a 39,7% do PIB, conforme dados de junho. A dívida bruta é de 56% do PIB, muito aquém dos cerca de 220% do PIB no Japão, dos quase 100% nos Estados Unidos e de 120% na Itália, por exemplo.
O Brasil, assim, pode se gabar de uma situação econômica mais sólida e de ter até algumas gorduras para queimar, se for necessário. A principal gordura é a taxa básica de juros de 12,5% ao ano e isso está contemplado na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom).
Foi principalmente pela possibilidade de deterioração do cenário internacional que o Copom subtraiu da ata publicada no dia 28 de julho a referência a um ciclo de aperto monetário "suficientemente prolongado" e o substituiu por um aumento de 0,25 ponto percentual da taxa Selic "neste momento".
Deixou, portanto, a porta aberta para mais um aumento de juros em 31 de agosto, na próxima reunião do comitê, ou, o que é mais provável, para interromper as elevações e, no futuro, derrubar a Selic caso seja preciso, conforme os efeitos da crise internacional sobre a economia doméstica e a inflação.
Tal como em 2008, a inflação ainda é um problema a ser administrado. Os últimos dados da pesquisa Focus do Banco Central apontam para uma expectativa de inflação de 6,28% este ano e de 5,27% em 2012, acima, portanto, do centro da meta de 4,5%. Também em agosto de 2008, um mês antes da quebra do Lehman Brothers, as expectativas do mercado eram de 6,45% para o IPCA do ano e de 5% para o período seguinte, 2009.
O país, portanto, continua suscetível a pressões inflacionárias que podem ser mitigadas pela queda das commodities. Se a queda das commodities pode contribuir com o controle dos preços, ela traria prejuízos para as contas externas, já que uma desaceleração das economias centrais tende a reduzir a demanda por esses produtos, representando perda para as exportações.
Em 2008 o país tinha déficit em transações correntes equivalente a 1,71% do PIB. Hoje ele é de 2,18% do PIB, facilmente financiável pelos investimentos diretos estrangeiros que, num agravamento das condições internacionais, pode arrefecer.
Mesmo em melhor situação, o Brasil não passará incólume por uma crise de dívida nas economias maduras. Quando devastou os países em desenvolvimento, nos anos 80, a crise da dívida demorou anos para ser entendida e solucionada. E só o foi após desconto e reestruturação dos débitos.
O pânico geral que atingiu o mundo - na segunda-feira, resultado do rebaixamento do rating dos Estados Unidos, de "AAA" para "AA+", com perspectiva de queda, pela agência de classificação de riscos Standard & Poor's, não assusta o agronegócio brasileiro.
Nem mesmo as tradings se mostram apreensivas com o desenrolar dos efeitos pós-downrating.
O setor prevê uma receita de US$ 86 bilhões das exportações durante este ano e um superávit recorde, projeção que para alguns é até mesmo conservadora. As razões para a manutenção do otimismo estão no aumento constante da demanda por alimentos, o que tem provocado elevação dos preços das commodities agrícolas.
No pior dos quadros, segundo o setor, a pressão sobre o valor dos produtos agropecuários pode arrefecer por conta de um crescimento menor do interesse por esses produtos.
Especialistas e tradings acreditam que nem mesmo esse movimento de queda dos preços das commodities agrícolas se sustenta. Desde o ano passado os alimentos têm-se valorizado no mercado internacional.
Países como a França já fizeram movimentos para tentar conter essa tendência, mas sem sucesso. Já nos últimos dias, até por conta da perspectiva de uma nova crise mundial, os preços começaram a cair, mas num ritmo bem mais lento do que se poderia supor.
O motivo é simples: a população global tem aumentado, e muitos países -como Índia, China, Rússia e até mesmo a África do Sul- registram elevação do poder aquisitivo da população, o que se reverte em melhor alimentação.
Esse círculo virtuoso provoca aumento de demanda e a consequente pressão sobre os preços dos produtos agropecuários. Não existe possibilidade de haver queda da procura mundial por alimentos. A própria crise financeira na Europa tem mostrado isso.
Mas os problemas podem interromper um processo que interessa muito ao Brasil: o fim dos subsídios e do protecionismo de vários países ao setor agropecuário.
Embora essa discussão seja mais política do que econômica, dificuldades financeiras geradas por queda de receita podem levar os governos a recuar na análise de projetos de políticas públicas de eliminação dessas vantagens para seus produtores.
DCI - SP
Maior resistência não significa imunidade à crise
O governo brasileiro tem dito e reiterado que o país está preparado para enfrentar os efeitos da crise na Europa, nos Estados Unidos e no Japão, cujo maior prejuízo pode ser patrocinar uma recessão global. Estar preparado, porém, não significa estar imune aos danos colaterais de uma desaceleração forte ou recessão nas economias centrais. Se a crise se aprofundar e se alongar, como tudo indica, o Brasil pagará com menos crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Os analistas já projetam taxas mais modestas de crescimento para este e para o próximo ano, algo na casa dos 3%, abaixo dos 4% a 4,5% que o governo desejava.
Hoje o país está com os indicadores econômicos e de solvência bem mais fortes do que em 2008, quando a primeira crise global do século abalou as economias maduras. Com reservas cambiais próximas a US$ 350 bilhões, bem superiores aos US$ 198,8 bilhões de 2008, o país tem um seguro para fazer frente a eventual escassez de recursos externos.
Os compulsórios dos bancos no Banco Central (BC) somam R$ 420 bilhões. Em 2008, eram de R$ 258 bilhões e foram um poderoso instrumento para dar liquidez aos bancos pequenos e para fornecer crédito à economia, que ainda assim sofreu com uma recessão.
As contas públicas continuam sólidas. O superávit primário consolidado atingiu R$ 78,2 bilhões (3,99% do PIB) no primeiro semestre e, no acumulado de doze meses até junho alcançou 3,54% do PIB. As receitas extras do governo federal surpreendem - em julho somaram R$ 7,5 bilhões - e a determinação da presidente Dilma Rousseff é que não se gastem esses recursos. Em dois meses, a arrecadação extra (superior às expectativas otimistas) já totaliza R$ 14 bilhões e isso pode reforçar o superávit primário, cuja meta é de 2,9% do PIB.
Ao contrário do passado não muito distante, hoje o país não tem risco de solvência - o mais grave problema das economias desenvolvidas, que abalou a confiança dos mercados e gerou pânico nos últimos dias. A dívida líquida do setor público corresponde a 39,7% do PIB, conforme dados de junho. A dívida bruta é de 56% do PIB, muito aquém dos cerca de 220% do PIB no Japão, dos quase 100% nos Estados Unidos e de 120% na Itália, por exemplo.
O Brasil, assim, pode se gabar de uma situação econômica mais sólida e de ter até algumas gorduras para queimar, se for necessário. A principal gordura é a taxa básica de juros de 12,5% ao ano e isso está contemplado na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom).
Foi principalmente pela possibilidade de deterioração do cenário internacional que o Copom subtraiu da ata publicada no dia 28 de julho a referência a um ciclo de aperto monetário "suficientemente prolongado" e o substituiu por um aumento de 0,25 ponto percentual da taxa Selic "neste momento".
Deixou, portanto, a porta aberta para mais um aumento de juros em 31 de agosto, na próxima reunião do comitê, ou, o que é mais provável, para interromper as elevações e, no futuro, derrubar a Selic caso seja preciso, conforme os efeitos da crise internacional sobre a economia doméstica e a inflação.
Tal como em 2008, a inflação ainda é um problema a ser administrado. Os últimos dados da pesquisa Focus do Banco Central apontam para uma expectativa de inflação de 6,28% este ano e de 5,27% em 2012, acima, portanto, do centro da meta de 4,5%. Também em agosto de 2008, um mês antes da quebra do Lehman Brothers, as expectativas do mercado eram de 6,45% para o IPCA do ano e de 5% para o período seguinte, 2009.
O país, portanto, continua suscetível a pressões inflacionárias que podem ser mitigadas pela queda das commodities. Se a queda das commodities pode contribuir com o controle dos preços, ela traria prejuízos para as contas externas, já que uma desaceleração das economias centrais tende a reduzir a demanda por esses produtos, representando perda para as exportações.
Em 2008 o país tinha déficit em transações correntes equivalente a 1,71% do PIB. Hoje ele é de 2,18% do PIB, facilmente financiável pelos investimentos diretos estrangeiros que, num agravamento das condições internacionais, pode arrefecer.
Mesmo em melhor situação, o Brasil não passará incólume por uma crise de dívida nas economias maduras. Quando devastou os países em desenvolvimento, nos anos 80, a crise da dívida demorou anos para ser entendida e solucionada. E só o foi após desconto e reestruturação dos débitos.
Valor Econômico
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