LEGISLAÇÃO

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

CHINA

CHINA CAUSA DISTORÇÃO NO COMÉRCIO MUNDIAL


Com reservas fortes, país mantém sua moeda artificialmente desvalorizada para facilitar exportações de produtos mais baratos e evitar problemas internos


Ricardo Allan


Montada em reservas internacionais de US$ 2,5 trilhões, a China tem dado as cartas no jogo cambial mundial. Mantendo sua moeda, o iuan, artificialmente desvalorizada, o governo chinês está provocando uma forte distorção no comércio internacional. Num momento em que as demais divisas se valorizam diante do dólar, ainda mais enfraquecido com o deficit fiscal elevado pela crise, o câmbio fixo chinês dá competitividade excessiva aos produtos nacionais. Os prejudicados são seus principais rivais no mercado externo, como o Brasil e os demais emergentes. A pressão para que as autoridades da terceira maior economia global, no caminho para se tornar a segunda neste ano, valorizem a moeda aumentou nos últimos meses e vem de todos os lados.
“O que a China faz é um verdadeiro ‘dumping cambial’. Eles ganham mais condições de concorrer não por eficiência ou maior produtividade, mas simplesmente porque adotaram uma política deliberada de atrelar o iuan ao dólar. Das moedas que contam, é a única que não está se valorizando neste momento de crise”, afirma Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Comércio Exterior e Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo suas estimativas, os produtos chineses, que já eram baratos, tiveram os preços reduzidos entre 25% e 30% só no segundo semestre do ano passado com o efeito cambial. “Estão roubando empregos dos concorrentes sem nenhum escrúpulo.”
Na primeira metade da década, com as pressões subindo, o governo decidiu fazer pequenos movimentos de valorização na moeda, mas sem abrir mão do câmbio controlado. De 2005 a meados de 2008, a cotação do dólar caiu de 8,20 iuans para 6,83. Desde então, principalmente após o agravamento da crise global, o valor tem ficado praticamente fixo nesse nível. A máxima de 2009 foi de 6,85. “Essa valorização é irrisória. Se eles praticassem o câmbio flexível, certamente estariam acompanhando o mundo, com as cotações subindo em vez de ficarem estáticas”, reclama Giannetti. As autoridades ficam tranquilas porque, com reservas trilionárias, o país está livre de ataques especulativos como o que sofreu o real em 1999.
Ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex ) (1)no governo Fernando Henrique, Giannetti acha que as reclamações atuais são muito tímidas. Os países não querem comprar uma briga com a China, que ganha cada vez mais poder econômico e comercial. Em 1985, Brasil e China detinham cerca de 1,5% do comércio mundial cada um. De lá para cá, o Brasil caiu para 0,8% e estacionou agora em 1,25%. Enquanto isso, a China saltou para 10%. Mesmo com a queda de 16% nas vendas externas provocadas pela recessão mundial, o país acumulou um saldo comercial (diferença entre exportações e importações) de US$ 196 bilhões em 2009, com baixa de 34,2%. O recorde se deu em 2007 (US$ 262,2 bilhões).


Conflito
Em viagem oficial à China no fim do ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reclamou ao presidente Hu Jintao e ao primeiro-ministro Wen Jiabao da valorização do iuan, que provoca um deficit já crônico do país nas suas relações com os chineses. Ouviu promessas de que o governo estudará formas de equilibrar a balança comercial entre os parceiros e um contra-ataque: as tarifas cobradas nos EUA dos produtos chineses são muito altas. Obama não quis melindrar as autoridades econômicas chinesas, pois elas literalmente financiam o buraco nas contas públicas norte-americanas ao comprar títulos do Tesouro. Se quiserem, têm força para dar o golpe final no dólar.
Como os apelos em nome de um comércio internacional mais igualitário não vêm surtindo efeito, o governo norte-americano e o Fundo Monetário Internacional (FMI) passaram a recorrer à própria saúde econômica chinesa como argumento para a valorização. Para o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, uma maior flexibilidade na taxa de câmbio contribuiria para fortalecer o crescimento sustentável, alicerçado no comércio interno, além de permitir uma política monetária capaz de controlar a inflação no futuro. O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, disse algo semelhante. Analistas internacionais, porém, acreditam que as autoridades só irão se mover quando for do interesse único da economia do país.
“Nada deve mudar no curto prazo. Como a tendência do dólar é continuar caindo, o iuan vai segui-lo. Isso dá uma desvantagem competitiva brutal para os demais países. O maior problema do Brasil no mercado internacional hoje é a China”, assegura o economista Julio Sérgio Gomes de Almeida, professor da Unicamp. A única saída que o Brasil teria para estimular seus produtos na guerra por compradores externos é “dar um jeito” no próprio câmbio, tomando mais medidas para desvalorizar o real frente ao dólar. Depois que o governo taxou a entrada de capital externo para investimentos em renda fixa e variável, a cotação deixou de cair e ficou variando entre R$ 1,70 e R$ 1,90.
Ex-secretário de Política Econômica, Almeida defende o aumento das compras de dólares pelo Banco Central para reduzir a moeda em circulação — as reservas nacionais já estão acima de US$ 240 bilhões. Se forem necessárias, ele sugere outras medidas: o aumento na taxação ao capital, que hoje é de 2%, e a fixação de limites para aplicações estrangeiras no mercado futuro. Boa parte dos recursos que entram no país tem o objetivo de especular nos segmentos derivativos. “Não são medidas agradáveis, mas podem se fazer necessárias. O governo estabeleceu a cobrança sobre o capital e o mundo não caiu. O dinheiro continuou entrando e o Brasil ainda é o queridinho do mundo. Os investidores entendem quando é preciso fazer algo”, afirma.


1 – Tarifas
A Camex é o órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento que coordena as políticas voltadas para as exportações e importações de produtos e serviços. Ela decide, por exemplo, as tarifas de importação e as retaliações contra outros países. O grupo é formado pelos ministros do Desenvolvimento, Fazenda, Relações Exteriores, Agricultura, Planejamento e Casa Civil.


E EU COM ISSO
Quando um país usa de artifícios, como a concessão de subsídios, a venda abaixo do preço de custo ou a moeda nacional exageradamente valorizada em relação ao dólar, ele ganha um poder injusto no mercado internacional. Seus produtos ficam mais baratos e tendem a vender mais. Isso toma espaço de países que não utilizaram os mesmos mecanismos, muitos deles considerados ilegítimos pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Nesses países que ficaram para trás, a queda nas exportações prejudica as indústrias e a agricultura. Com menos faturamento, as empresas podem fechar fábricas, demitir funcionários ou reduzir salários. No fim das contas, quem paga é o trabalhador. (RA)


Estão roubando empregos dos concorrentes sem nenhum escrúpulo”


Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de Comércio Exterior da Fiesp, sobre a política cambial chinesa


O maior problema do Brasil no mercado internacional hoje é a China”


Julio Sérgio Gomes de Almeida, economista, professor da Unicamp
Correio Braziliense






MDIC E RECEITA DIVERGEM SOBRE PUNIÇÃO
Uma disputa entre o Ministério do Desenvolvimento e a Receita Federal trava a punição dos exportadores chineses que fazem triangulação de produtos para evitar as tarifas antidumping.
O Desenvolvimento prefere uma solução rápida, conhecida como medida antielisão. “O Brasil precisa regulamentar esse mecanismo para coibir a triangulação”, disse o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
A medida antielisão está incluída na Lei 11.786 de 2008, mas nunca foi regulamentada. Segundo fontes envolvidas com o assunto, a Receita Federal teme questionamentos legais dos importadores e avalia que já dispõe de mecanismos de fiscalização suficientes. A Receita não respondeu aos pedidos de entrevista do “Estado”.
Para o professor de direito internacional da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), Rabih Nasser, o Brasil não deve estender uma medida antidumping para outros países sem um processo administrativo, porque os dados de crescimento das importações não são prova suficiente de triangulação.
O setor privado pressiona o governo para regulamentar a medida antielisão. “Há uma lei aprovada. Fazer um novo processo antidumping seria demorado e caro”, disse o consultor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Domingos Mosca.
A Organização Mundial de Comércio não regula a medida de antielisão, mas também não proíbe. Estados Unidos, União Europeia optaram por regulamentar e aplicar a regra. Com a crise, o Brasil não é o único preocupado com a triangulação feita pelos exportadores chineses. Os europeus estão ameaçando punir as empresas da Malásia.
O Estado de São Paulo



EXPORTADOR CHINÊS USA OUTROS PAÍSES PARA DRIBLAR LEI ANTIDUMPING BRASILEIRA
Raquel Landim


O governo brasileiro decidiu fechar o cerco aos exportadores chineses que burlam as tarifas antidumping, sobretaxas usadas para punir os fabricantes que vendem no Brasil abaixo do preço de custo. Há indícios de que as empresas estão falsificando os certificados que comprovam a origem do produto ou fazendo triangulação – apenas montando as peças em outros países. Dessa maneira, os produtos são fabricados na China com um custo baixo, mas chegam ao Brasil como se tivessem sido feitos em Taiwan, na Malásia ou no Vietnã.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior defende expansão quase automática da sobretaxa para esses países quando for verificada a triangulação, sem a necessidade de um novo processo de dumping. Para isso, o Brasil teria de usar uma cláusula de “antielisão”, que está prevista pela lei, mas nunca foi regulamentada. A ideia encontra resistência na Receita Federal.
Um documento obtido pelo Estado, que registra uma troca de e-mails entre uma empresa no Brasil e o exportador na China, revela como é feito o esquema. O documento foi entregue ao governo brasileiro. “Se você está preocupado com a taxa antidumping no Brasil, podemos embarcar transferindo pela Malásia como fazemos usualmente. Hoje exportamos muitos contêineres para outros clientes no Brasil todos os meses transferindo da Malásia”, informa o exportador chinês.
Ao responder a um pedido de mais detalhes sobre a operação, o exportador chinês é específico. “Nós embarcamos todos os contêineres para nossa filial na Malásia e depois expedimos outros documentos para o porto no Brasil, que dizem certificado de origem da Malásia.”
A empresa brasileira que recebeu essa proposta é a Supergauss Produtos Magnéticos, que fabrica imãs de ferrite (usados nos auto-falantes). “O exportador me ofereceu esse esquema e disso que muitos outros já fazem. Nós, claro, não aceitamos”, disse o diretor comercial da Supergauss, Robert Barth. O executivo entregou os e-mails ao governo brasileiro em janeiro deste ano.
Dados do ministério apontam que as exportações vindas de outros países asiáticos cresceram significativamente depois da aplicação do direito antidumping contra a China. O governo já iniciou investigações sobre os casos de escovas de cabelo, lápis e imãs. Mas há evidências que isso pode estar ocorrendo também com ferros de passar, ventiladores, cadeados, armações de óculos e garrafas térmicas.
No caso do ferro de passar roupa, por exemplo, o Brasil aplicou uma sobretaxa de US$ 5 por produto. Em 2007, antes da tarifa, 96,5% das importações brasileiras de ferros vinham da China. Essa participação caiu para 19,9% no ano passado. Em compensação, a fatia de Taiwan subiu de 1% para 39,3% no período, e a da Malásia saiu de zero para 30%.
Para o gerente da linha de eletrodomésticos da Black&Decker, Julio Landaburu, o crescimento das vendas de outras origens foi muito rápido, o que é estranho porque desenvolver fornecedores não é fácil. “Também importamos alguns produtos e tentamos encontrar fabricantes de ferro elétrico em Taiwan e na Malásia, mas não conseguimos.”
Segundo o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, “é comum o crescimento das importações de outras origens quando se aplica tarifas antidumping”. Ele explica que o problema ocorre quando os produtos não são feitos no país indicado no certificado de origem.
Outro caso que preocupa o governo, é o das escovas de cabelo. Uma funcionária do Departamento de Defesa Comercial (Decom) do Ministério do Desenvolvimento comprou uma escova no supermercado que dizia “made in Taiwan” na embalagem, mas estava grifado “made in China” no cabo.
O governo brasileiro investigou os dois fabricantes de escovas de cabelo identificados como de Taiwan: uma das fábricas simplesmente não existe e a outra, compra a maior parte das peças na China.
“Essa é uma malandragem conhecida no mundo inteiro. Detectamos uma variação muito grande nas exportações a partir do ano passado”, disse o diretor-geral da fabricante Escovas Fidalga, Manoel Canosa Miguel. “Recebemos ofertas de exportadores chineses de embarcar o produto por Taiwan, Malásia e até pela Argentina.”
O Estado de de São Paulo

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