LEGISLAÇÃO

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

ICMS e insumos importados


ICMS e insumos importados: a alíquota de 4% e os pontos de distorção

O Convênio nº 38/13 do Confaz provoca algumas distorções numa tributação que, idealmente, deve se manter neutra na dinâmica da circulação de mercadorias.
A Resolução nº 13/12 já havia sido regulamentada pelo CONFAZ com a publicação do Ajuste SINIEF nº 19/12, vigorando a partir de 01º de janeiro de 2013.
Este Ajuste SINIEF, revogado em 2013, é agora substituído pelo Convênio nº 38/13, que traz importantes alterações na normatização das alíquotas nas operações interestaduais com produtos com conteúdo importado que, no entanto, parecem aumentar a complexidade da solução implementada e provocar algumas distorções numa tributação que, idealmente, deve se manter neutra na dinâmica da circulação de mercadorias.
O CONFAZ, na elaboração do convênio, tomou em sentido amplo o mandato conferido pela  resolução senatorial para "baixar normas"[1] sobre critérios e procedimentos para operacionalizar o sistema de alíquotas instituído, introduzindo procedimentos que, em nosso entender, extrapolam os termos do ato normativo do Senado e podem provocar distorções.
Dois pontos regulamentados pelo Convênio nº 38/13 - dentre outros, frise-se - parecem desbordar dos limites desenhados pela Resolução.
A Resolução do Senado nº13/12 diz que devem ser tributados pelo ICMS a uma alíquota de 4%(quatro por cento) as operações interestaduais com mercadorias e bens importados, ou produtos elaborados com insumos importados cujo conteúdo de importação seja superior a 40% (quarenta por cento)[2]. O conteúdo de importação é definido na própria Resolução como sendo, especificamente, "o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem"[3].
O Convênio nº 38/13, por sua vez, alterou a definição de "valor total da operação de saída interestadual da mercadoria" para excluir deste o ICMS e o IPI incidentes na referida operação[4].  Este não é efetivamente o valor total da operação estabelecido pela Resolução e isso pode causar distorções, como veremos.
O valor da parcela importada (VPI) também teve excluído de seu cálculo os impostos ICMS e IPI incidentes na operação de importação pelo Convênio nº 38/13. Este, o valor da parcela importada, entretanto, não tinha definição integral no texto da própria resolução, permitindo a regulamentação trabalhar seus contornos. No Ajuste SINIEF nº19/12, por exemplo, expressamente considerava a adição dos impostos do ICMS e do IPI na valor da parcela importada[5].
A modificação dessa última definição é reivindicada pela Federação das Indústrias de São Paulo e pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, FIESPE e CIESPE[6], não sendo claras as razões que levaram a essas entidades a lutar por este pleito específico. Não obstante, não há registro de que houve o mesmo requerimento pelas entidades empresariais para o valor da operação interestadual e a solução de eliminar os mesmos impostos do valor da operação interestadual aparenta ser apenas uma questão de simetria.
Ocorre, entretanto, que esta simetria não aparece em todos os casos ou, mesmo, que isso tenha o efeito de aperfeiçoar o cálculo de conteúdo de importação. Exemplificamos.
O insumo "malte",  torrado, não torrado, partido ou inteiro, NCM 11.07, tem alíquota de IPI de 5% (cinco por cento), na operação de importação. Este, o IPI, está excluído do cálculo do VPI. O insumo, por sua vez, pode ser aplicado na fabricação de cerveja de malte, NCM 2203., que tem IPI de 40%, ou de uísque, NCM 2208, com IPI de 60%.
Excluir-se o IPI do VPI do malte é indiferente para os dois produtos resultantes. Mas excluir o IPI do valor da operação interestadual da cerveja e do uísque, no cálculo do coeficiente de importação, afora afastar-se diretamente dos termos estabelecidos na Resolução do Senado, reduz muito mais o elemento divisor no cálculo do coeficiente no uísque que na cerveja, produzindo uma, talvez, indesejada exacerbação do conteúdo de importação de uma mercadoria que a outra, interferindo na definição da alíquota da operação interestadual entre a de 4% ou 12% nos estados em que estabelecidas estas.
 Heleno Taveira Torres, que doutrina sobre a natureza das resoluções do Senado, assim se manifesta: "Resoluções do Senado Federal são instrumentos introdutórios de normas tributárias primárias que inovam a ordem jurídica em caráter vinculante para todos os estados, a fim de garantir uniformidade nos limites mínimos ou máximos das alíquotas dos impostos estaduais."[7] E arremata com a seguinte conclusão: A Resolução do Senado cumpre função equivalente de legalidade substantiva, cuja competência condiciona o poder, circunscrevendo seu campo de ação material, no caso, às alíquotas do ICMS. Isso porque, uma vez aprovada, sua observância será vinculante para todos os entes da federação, numa forma de limitação ao poder de tributar de garantia da uniformidade das alíquotas do ICMS. Essa percepção, porém, deve ser acompanhada da importância de preservar-se, o Senado, quanto ao campo restrito da competência para dispor sobre alíquotas, sob pena de invadir competências que só podem ser exercidas pela aprovação democrática completa, ou seja com atuação da Câmara de Deputados e da presidência da República (veto e sanção), como é o caso das leis complementares."[8]
A vinculação às normas estabelecidas na Resolução do Senado nº 13/12, preconizada pelo ilustre tributarista, parece-nos não permitir que o CONFAZ regule diferentemente de seus termos, quando não houver espaço para especificação de um conceito tão bem delineado tal como o de "valor total da operação interestadual" em operação de circulação de mercadorias tributada pelo ICMS. Ainda mais quando esta  reelaboração puder causar distorções no sistema.
Um segundo aspecto da regulamentação da Resolução nº 13/12 introduzido pelo Convênio nº 38/13, tendente a distorcer os resultados do conteúdo de importação e a consequente alíquota para operação interestadual, caso não adotada interpretação que afaste a distorção, é a regra estabelecida no §1º, da sua cláusula quinta.
A cláusula quinta trata de regras de preenchimento da Ficha de Conteúdo de Importação - FCI, nova obrigação tributária acessória criada para documentar o cálculo do conteúdo de importação e informar seu percentual para o Fisco e contribuintes subsequentes na cadeia produtiva do estabelecimento industrializador.
A cláusula tem o seguinte teor:
Cláusula quinta. No caso de operações com bens ou mercadorias importados que tenham sido submetidos a processo de industrialização, o contribuinte industrializador deverá preencher a Ficha de Conteúdo de Importação - FCI, conforme modelo do Anexo Único, na qual deverá constar:
 I - descrição da mercadoria ou bem resultante do processo de industrialização;
II - o código de classificação na Nomenclatura Comum do MERCOSUL - NCM/SH;
III - código do bem ou da mercadoria;
IV - o código GTIN (Numeração Global de Item Comercial), quando o bem ou mercadoria possuir;
V - unidade de medida;
VI - valor da parcela importada do exterior ;
VII - valor total da saída interestadual;
VIII - conteúdo de importação  calculado nos termos da cláusula quarta.
 § 1º Com base nas informações descritas nos incisos I a VIII do caput, a FCI deverá ser preenchida e entregue, nos termos da cláusula sexta:
 I - de forma individualizada por bem ou mercadoria produzidos;
II - utilizando-se o valor unitário, que será calculado pela média aritmética ponderada, praticado no penúltimo período de apuração.
O cálculo do conteúdo de importação deve ser feito, portanto, de acordo com a cláusula quarta, ou seja, valor da parcela importada, sem ICMS e IPI, sobre valor da saída interestadual, sem ICMS e IPI, expresso em percentual. Sendo esse superior a 40%, a alíquota será 4%, sendo inferior, 12% ou 7%, conforme o estado de origem.
A Ficha de Conteúdo de Importação - FCI tem, entretanto, outra forma de cálculo. Conforme o §1º da cláusula quinta, deve ser por mercadoria, individualizada, por valor unitário obtido pela média aritmética ponderada do penúltimo mês. A cláusula sétima do convênio, por sua vez, determina que o número da FCI deva ser registrado na nota fiscal eletrônica, e o conteúdo de importação igualmente. Este último, expressamente inscrito na referida cláusula sétima, calculado conforme a cláusula quarta, não na forma prevista para preenchimento da FCI.
Essa contradição na regulamentação pode provocar, na prática, a distorção no cálculo da alíquota interestadual da forma seguinte:
Mês 1 - Insumo "A"
Importação Un. Valor un. Valor total
1 1000 R$ 1,00 R$ 1.000,00
2 1000 R$ 1,50 R$ 1.500,00
Saída interestadual - Produto "P"
Qtd. Insumo. A Valor saída interestadual Insumo/produto C I Alíquota
1 1000 R$ 2.250,00 1,00/2,25 44% 4%
2 1000 R$ 2.250,00 1,50/2,25 66% 4%
Mês 2
Sem importações ou saídas interestaduais.
Mês 3 - Insumo "A"
Importação Un. Valor un. Valor total
1 1000 R$ 0,90 R$ 900,00
Saída interestadual - Produto "P" (Cláusula quarta)
Qtd. Insumo. A Valor saída interestadual Insumo/produto C I Alíquota
1 1000 R$ 2.250,00 0,90/2,25 40% 12%
Ou;
Saída interestadual (Cláusula quinta) média ponderada.
Qtd. Insumo. A Valor saída interestadual Insumo/produto C I Alíquota
2 1000 R$ 2.250,00 1,25/2,25 55% 4%
A interpretação/aplicação desses dispositivos deve ter em conta, no caso concreto, a capacidade de cada contribuinte em determinar e comprovar documentalmente o custeio dos insumos empregados em seus produtos.
Caso o contribuinte tenha capacidade administrativa/contábil de discriminar os insumos específicos aplicados a cada lote de produtos fabricados, deve calcular o conteúdo de importação, a alíquota aplicável à respectiva operação interestadual, elaborar a FCI e informar na nota fiscal eletrônica o CI encontrado de acordo com a cláusula quarta, ou seja, sem a média ponderada, mas calculando e indicando o efetivo conteúdo importado presente em cada produto.
O contribuinte sem capacidade contábil pode fazer uso do previsto na cláusula quinta, reunindo informações relativas ao penúltimo mês sobre importações e saídas interestaduais, por expressa autorização do regulamento. Pode causar distorções, mas foi o que previsto no Convênio.
Everardo Maciel, em artigo em "O Estado de São Paulo"[9], já criticava a "extravagância de requisitos" e "indeterminação de conceitos" da Resolução nº13/12, ainda na vigência da regulamentação oferecida pelo Ajuste nº 19/12. E prosseguia para declarar-se cético quanto a elaboração de legislação sobre o assunto ainda mais complexa que a que tomou conhecimento para solução de outros problemas da guerra fiscal. Parece prever a dificuldade a ser enfrentada pelos contribuintes já mesmo com a regulamentação da própria Resolução nº 13/12 pelo Convênio nº 38/13, posta apenas para a solução da guerra dos portos.

Notas

[1] Resolução do Senado Federal nº13/12, art. 1º, §3º.
[2] Resolução do Senado Federal nº13/12, art. 1º, §1º, inciso II.
[3] Resolução do Senado Federal nº13/12, art. 1º, §2º.
[4] Convênio ICMS nº 38/13, Cláusula quarta, §2º, inciso II.
[5] Ajuste SINIEF nº 19/12, Cláusula quarta, §2º, inciso II
[6] http://www.fiesp.com.br/noticias/pleitos-da-fiesp-e-do-ciesp-sao-atendidos-e-ajuste-sinief-1912-e-revogado - Acesso em 08/07/2013.
[7] http://www.conjur.com.br/2013-jun-19/consultor-tributario-historico-senado-regulacao-aliquotas-icms - Acesso em 08/09/2013.
[8] Idem. - Acesso em 08/09/2013.
[9] http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nada-e-tao-ruim-que-nao-possa-ficar-pior-,1027615,0.htm

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