LEGISLAÇÃO

terça-feira, 5 de março de 2013

Justiça Tributária





Abusos e insegurança jurídica no Direito Tributário

Não é possível alcançar os ideais da Justiça Tributária enquanto não garantirmos aos contribuintes segurança jurídica que lhes permita desenvolver seus empreendimentos de forma segura, com adequado retorno aos investimentos.
Reduções episódicas, temporárias ou pontuais de alguns impostos, podem em certas ocasiões incentivar o consumo e transmitir a falsa impressão de que a economia está melhorando. No entanto, tais mecanismos equivalem a tratar uma doença grave, que exige intervenção cirúrgica, com analgésicos: a dor diminui, mas a doença vai matar o paciente.
Por isso, são absolutamente condenáveis e intoleráveis os descumprimentos sistemáticos da norma constitucional que ordena a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Tal ordem é cláusula pétrea, inserida no artigo 5º, inciso 58, da Constituição Federal. Não se trata, portanto,  de simples garantia ou sugestão: é uma ordem.
Qualquer advogado ou servidor público, membro do Ministério Publico, juiz da mais remota comarca do interior ou ministro do Supremo Tribunal Federal,  deve obediência a tal mandamento, objeto de seus  juramentos  ao receber o diploma de bacharel ou tomar posse no cargo. Quem age em desacordo com tal norma, é um traidor das promessas que fez, não merecendo receber o vencimento que o povo lhe paga com o suor dos nossos elevados impostos. 
 A sociedade brasileira não pode mais aceitar esse estado de coisas, pois tudo tem limites.
 Quando uma simples petição aguarda mais de 30 dias para juntada aos autos enquanto o cidadão vê seu direito ignorado, comete-se um crime. A esfarrapada desculpa de excesso de trabalho não pode mais ser aceita. O trabalhador que não consegue dar conta do seu trabalho deve tomar providências a respeito: pedido de demissão, procurar outro serviço etc. ―  mas, de imediato, cancelar as suas atividades paralelas ou “bicos”. Justiça que não funciona é uma tragédia e pode causar outras. Vamos aos fatos.
Noticiou-se recentemente, aqui na ConJur, que, no ano passado, um cidadão teria tentado o suicídio, ante a demora de ação que move contra o INSS (autos nº 0005200-12.2009.403.6318) e o juiz ordenou sua intimação pessoal, para que tenha  paciência e desista de nova tentativa de  suicídio, porque “a vida pode ser muito boa” e não se sabe “a penalidade de Deus” para isso. 
Dramas desse tipo ocorrem pelo país todo e algo precisa ser feito, pois certas decisões são irrevogáveis e inapeláveis, como os suicídios. Se o cidadão sem justiça pode pensar em se matar, pode pensar em matar o advogado que não lhe dá notícias do caso ou mesmo o magistrado que não decide.
Há muitos anos um procurador da Fazenda reteve abusivamente, por meses, autos de execução fiscal, prejudicando as partes e o advogado do contribuinte, que tinha urgência na solução.  Uma queixa perante a então Comissão de Ética da OAB foi proposta (infração ao artigo 34, XXII do estatuto) como a única maneira encontrada para obrigar a devolução.
O advogado/querelante arranjou um inimigo, mas isso não chegou a ser um problema. Afinal, a advocacia não é uma ação entre amigos, mas uma profissão destinada a obter Justiça e o advogado que temer enfrentar tais conflitos deve mudar de atividade. Não estamos aqui para sermos bonzinhos, mas para defender os direitos que nos são confiados, pois para isso somos remunerados.
Já não há lugar, também, para aceitarmos impassíveis à ação destruidora da verdadeira ditadura protelatória que se implantou no nosso judiciário e mesmo em outros poderes.
Ainda recentemente, encontramos um servidor que nos garantiu que um desembargador não tem prazo para relatar determinado recurso, mais uma vez com desculpa do excesso de trabalho. O servidor em questão, apesar de bacharel em Direito, resolveu desconsiderar as normas do CPC, especialmente as do artigo 537 que, naquele caso, ordena que o recurso seja enviado à próxima sessão do tribunal.
Os servidores públicos não podem eternamente buscar amparo, desculpa ou explicação no excesso de trabalho.  Faltam-lhes  auxiliares, equipamentos, verbas, mas não se vê esforço sério das respectivas categorias ou associações para exigi-las do executivo.  Em lugar disso, o que mais se vê são atividades de duvidoso proveito, desnecessárias ou impróprias à carreira, como congressos festivos sem resultados práticos, participações em academias que servem apenas para dar medalhas, inaugurações de placas de bronze, enfim, besteiras que nada acrescentam.
Em várias situações há servidores ocupando-se com atividades alheias a seu trabalho, inclusive no magistério, a este se dedicando com tanto afinco e interesse, que o cargo público acaba se tornando um bico destinado apenas a garantir o bom salário e a confortável aposentadoria.
Também não é razoável considerarmos normais decisões judiciais instáveis como as estações climáticas, de tal maneira que o passado se torna imprevisível, na medida em que nem mesmo súmulas garantem como pensa nossa Justiça, chegando-se ao absurdo de se tornarem comuns decisões por empate ― faltando, por enquanto, apenas o sistema da cara ou coroa.
Ora, estamos em pleno século 21 e este não é mais o país do futuro, pois o futuro já chegou. Ou levamos a coisa a sério agora ou perdemos o trem-bala da história.
A excessiva preocupação com o formalismo judicial, onde todos são excelências, mas nem todos excelentes, prejudica o próprio sistema. Os dirigentes das associações de magistrados representam seus associados, mas não podem impedir que qualquer pessoa, juiz ou não, exerça sua opinião. Não há a menor dúvida de que muitos juízes colaboram com a sensação de impunidade que há no país. Quando um magistrado critica tal comportamento, presta-nos relevante lição de cidadania. Não merece críticas, pois diz o que pensa não só ele, que não vive em situação de isolamento e não se porta como dono da verdade, pois esta não tem donos. Quando milhões de pessoas pensam de forma parecida (sensação de impunidade), ninguém está sozinho.
Consta que somos a sexta economia do planeta, mas a educação do nosso povo é medíocre, a saúde pública é uma tragédia, a maioria de nossas estradas  são ruins. Enfim, há um país inteiro a ser construído. Isso é muito bom, pois gera a necessidade de grandes investimentos, garantindo empregos a quase todos, ainda que com salários inferiores à média mundial.
Se quisermos que os investidores de outros países venham estabelecer parcerias justas e razoáveis conosco, temos que lhes garantir possibilidade de lucros, estabilidade política, liberdade etc., mas, principalmente, segurança jurídica, especialmente na área tributária.
Ninguém abre um negócio sem saber quanto vai pagar de imposto. Além disso, precisa confiar que seus direitos serão respeitados, dentre os quais o de não ser surpreendido com aumentos abusivos e inesperados de tributos ou cortes de incentivos prometidos. Ou seja: o jogo da economia não pode ter suas regras mudadas a cada momento, conforme os desequilíbrios emocionais dos politiqueiros de plantão e o judiciário deve garantir que isso seja assegurado, com soluções rápidas, eficazes e internacionalmente aceitas como justas.
Para que tenhamos tudo isso, precisamos trazer nossa justiça para o nosso tempo. Uma revisão constitucional, por exemplo, se impõe, pois o mundo mudou muito desde 1988 e ainda temos muitas coisas a resolver na nossa Carta Magna, como, por exemplo, a indispensável implantação do IGF ― Imposto sobre Grandes Fortunas.
Tal assunto nunca é encarado com seriedade, mas deveria. As pessoas que se julgam com o direito de ostentar riquezas fabulosas, mesmo que obtidas por meios lícitos, não podem ficar alheias às necessidades do país de que desfrutam.
Os impostos não foram criados apenas para gerar receita destinadas aos entes federativos, mas principalmente corrigir distorções e promover a harmonia social. Com tais recursos é que se atendem as despesas de saúde, educação  segurança etc., para quem não tem condições de suportá-las.
Não se trata de pregar o socialismo ou uma política protecionista qualquer, mas apenas obedecer o que ordena o preâmbulo de nossa Constituição: "instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”
Esses objetivos são amplos, mas podem ser alcançados a médio prazo, desde que nos ajude o Judiciário. Este é, sem dúvida, o mais relevante dos poderes, não só pela sua função constitucional, mas sobretudo pelo elevado preparo de seus integrantes, sob todos os aspectos. 
Não esperamos uma Justiça feita por pessoas santas ou perfeitas, pois isso não existe. Mas nossa história comprova que os casos de desvios de conduta são mais comuns no Executivo e no Legislativo. Esses poderes representam com mais precisão a sociedade brasileira, sendo o seu espelho, até porque são pessoas eleitas pelo voto popular. Seus integrantes têm mais defeitos, mas uma boa educação a longo prazo, aliada a mecanismos de controle e punição eficazes, poderão melhorar o quadro.
Concluindo: temos que pressionar o Legislativo para que tire das gavetas os projetos de reformas, dando-lhes andamento. Precisamos ainda cobrar do Executivo o cumprimento das metas e orçamentos dos programas de governo, para que as obras indispensáveis ao desenvolvimento andem. E, finalmente, insistir para que o Judiciário cumpra seus prazos, observe a Constituição, garanta a todos os seus direitos e aplique a quem couber as penas devidas. Parece ser muita coisa, mas não é. Basta que cada integrante do poder, por menor que seja sua parte no sistema, cumpra com seriedade sua função. Talvez seja um sonho, mas é melhor do que continuarmos vivendo pesadelos.
Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 4 de março de 2013

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