LEGISLAÇÃO

domingo, 31 de março de 2013

Como desatar o nó da logística


Como desatar o nó da logística

A dependência de rodovias e a falta de obras que deem acesso aos portos do Norte do País explicam o caos nas estradas que está desperdiçando a supersafra. A boa notícia: com vontade política, é possível salvar a lavoura

Por Carla JIMENEZ e Denize BACOCCINA
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Assista à entrevista com a editora de economia, Carla Jimenez


Rua Idalino Pinez, ou rua do Adubo, é o nome do nó que atou o trânsito para o porto de Santos, nas últimas semanas, gerando cenas nunca antes vistas pela maioria da população brasileira. As centenas de caminhões que congestionaram a rodovia paulista Cônego Domênico Rangoni eram obrigadas a virar à direita nesse endereço, que pertence ao município do Guarujá, para chegar ao maior terminal marítimo do País. A letargia do trânsito não estava incomodando apenas os turistas que tentavam descansar no litoral sul de São Paulo. Os veículos que transportavam as merendas das escolas públicas do Guarujá não estavam chegando ao seu destino.
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Navio parado em Santos: espera para embarcar superava os 40 dias
na semana passada, um custo para os produtores, repassado
para o consumidor
Os supermercados da cidade também estavam ficando desabastecidos, o que obrigou a prefeita Maria Antonieta de Brito a ligar diretamente para o governador Geraldo Alckmin, insistindo por uma ação concreta para pôr ordem no caos. Um comitê de crise foi montado no gabinete de Maria Antonieta, onde representantes do Estado, do porto de Santos, da polícia rodoviária e de empresas da região se reuniram, desde 22 de março, para encontrar uma solução emergencial capaz de evitar o desperdício dos ganhos da abençoada supersafra de grãos deste ano.
A simples separação dos caminhões contêineres e os de transporte de granéis em duas alas distintas, além da parada antecipada nos rodoparques, os estacionamentos de caminhões na rodovia, atenuou o problema, reduzindo as filas na Cônego Rangoni de 15 para dois quilômetros na segunda-feira 25. Foi uma solução momentânea para dar uma resposta à pressão, principalmente dos produtores agrícolas. Mas é praticamente como receitar uma aspirina para curar a fratura exposta da falida logística brasileira. As estradas simplesmente não andam, enquanto o agronegócio brasileiro está em ritmo Fórmula 1, há pelo menos duas décadas, movido pelo combustível da produtividade.
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Fratura exposta da ineficiência: fila de caminhões para o porto de Santos foi controlada,
mas voltou a crescer na quinta-feira 28
Entre 1992 e 2012, a área de plantio cresceu 40% no País, enquanto a produção de grãos registrava um salto de 220%, segundo cálculos de Roberto Rodrigues, professor da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo, e ministro da Agricul­tura do governo Lula entre 2003 e 2006. Enquanto isso, a infraestrutura logística não evoluiu um milímetro. É essa disparidade que aparece agora em forma de congestionamentos de caminhões, e não só na rodovia paulista. Na semana passada, a BR 364, na região de Rondo­nópolis, em Mato Grosso, um dos principais polos nacionais de produção de soja, registrava um congestionamento de 100 quilômetros até o Alto Taquari, onde se encontra o terminal da ALL que dá acesso ferroviário ao porto de Santos.
No Paraná, o estacionamento de caminhões de porto de Paranaguá somava milhares de veículos na quarta-feira 27 à espera do seu turno para embarcar a safra de soja nos navios. A frota, por sua vez, já acumulava 100 embarcações estacionadas ao largo do porto paranaense, segundo os produtores locais, o que está gerando um atraso de até 60 dias para enviar a mercadoria para o Exterior. “Cada dia de navio parado é uma multa de US$ 10 mil que pagamos, esperando embarcar nossa mercadoria”, diz José Aroldo Gallassini, presidente da Coamo, a maior cooperativa agroindustrial da América Latina, de Campos Mourão, no norte paranaense. “Vamos arcar com US$ 600 mil em multas para cumprir nossos contratos.”
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Em Santos, que responde pelo escoamento de um quarto do fluxo comercial brasileiro, a situação não é diferente. Segundo Peter Gyde, presidente da multinacional dinamarquesa Maersk Line Brazil, de transporte marítimo, os atrasos para o embarque no terminal paulista crescem continuamente desde 2003. “Esses atrasos de carga constituem custos extras de cerca de US$ 700 milhões por ano, segundo estimativas do Banco Mundial”, diz Gyde. Somadas às perdas dos agricultores com atrasos nas estradas, e cancelamentos de contratos, como o da compra de dois milhões de toneladas de soja pela trading chinesa Sunrise Group na semana retrasada, tem-se uma verdadeira montanha de dinheiro que o Brasil desperdiça por completa ineficiência e falta de estratégia.
“Só em custo extra de frete rodoviário, que subiu pelo excesso de demanda, gasta-se cerca de US$ 1,2 bilhão”, afirma Carlos Fávaro, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Segundo o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho, o congestionamento dos caminhões não atrapalha apenas o embarque de grãos para exportação, mas também a importação de fertilizantes, que voltam para as zonas agrícolas nos mesmos veículos. Ele teme que o problema não se limite à atual safra. “Temos de cuidar para não ter o mesmo problema no próximo ano”, afirma Ramalho. Sem um plano nacional eficiente, que exija a cobrança de responsabilidade de todas as instâncias públicas – municipal, estadual e federal –, o Brasil vai continuar fingindo que pode ser um país rico.
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Saída pelo Norte: Conclusão da BR-163, de Mato Grosso ao Pará, inverteria fluxo de trânsito
para portos do Norte já no ano que vem
O ex-ministro Roberto Rodrigues não esconde sua irritação por ver realizada a profecia de que a logística brasileira iria à falência, caso não houvesse investimentos: há duas décadas ele escreve livros e artigos prevenindo para a tragédia anunciada. “Estamos jogando as nossas safras pela janela”, afirma. Um dos núcleos centrais do caos na logística brasileira é o excesso de concentração no transporte rodoviário, que representa mais de 50% da matriz nacional de transporte de carga, de acordo com um levantamento da Aprosoja. Nos Estados Unidos, são 5%. E, mesmo assim, a malha rodoviária brasileira é falha, pois não serve a todos os portos como deveria. Isso explica, por exemplo, a concentração do trânsito nas estradas até o porto de Santos, responsável por 40% da movimentação de contêineres do País.
Trata-se de uma verdadeira incongruência, uma vez que a maior parte da produção agrícola está mais perto da região Norte do que do Sudeste. Uma pesquisa da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) mostra que 52% da soja brasileira é produzida acima do paralelo 16, que corta o Brasil na altura de Goiás e Mato Grosso. No entanto, apenas 14% dos grãos são exportados pelos terminais localizados no Norte, como o de Belém, no Pará, ou o porto de São Luís, no Maranhão. Por falta de estradas adequadas, a produção das fazendas de Mato Grosso ou de Rondônia tem que viajar até dois mil quilômetros para embarcar nos portos de Santos e Paranaguá.
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Não por acaso, os navios atracados nos portos, como o de Santos, esperam mais de 40 dias para começar a receber a carga.“O normal, para o Brasil, seria uma demora de 30 dias entre o navio atracar e sair”, diz o analista Flávio França Jr., da consultoria agrícola Safras & Mercado, de Curitiba. “Normal” porque no Brasil já é grande a tolerância com a ineficiência. O País está em 130º lugar num ranking de eficiência dos portos, com base em informações de 142 países, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. Só o tempo de desembaraço aduaneiro, por exemplo, é de 5,5 dias, contra 2,9 dias na média mundial.
A boa notícia é que para desarmar essa bomba relógio, que entrou em contagem regressiva nas últimas semanas, há uma série de medidas que podem ser tomadas no curto, médio e longo prazo e que dependem, mais que tudo, de vontade política. A primeira delas, que poderia ser tomada de imediato, é a revisão dos horários de funcionamento dos portos. “Por que o terminal de Santos não funciona de segunda a segunda, e, se necessário, 24 horas?”, questiona o ex-ministro Roberto Rodrigues. Da mesma forma, a execução de obras fundamentais, como a finalização da BR-163 neste ano, que ligará Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, até Santarém, no Pará, já salvaria a lavoura a partir do ano que vem.
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“Só essa estrada é capaz de começar a inverter o fluxo de cargas, desafogando os portos de Santos e Paranaguá”, diz Fávaro, da Aprosoja (leia outras soluções no quadro "Pedidos urgentes a Nossa Senhora Desatadora de Nós"). Para o longo prazo, o governo tem um plano a fim de desafogar de vez as estradas. Segundo o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, encarregado de pensar a infraestrutura para os próximos anos, a saída é tirar a carga dos caminhões e transportá-la por ferrovias. Hoje, o País conta com apenas oito mil quilômetros de ferrovias em condições de funcionamento, usadas principalmente para o transporte de minério.
Tudo pode mudar nos próximos seis anos, quando sair do papel um plano de investimentos que deve chegar a R$ 180 bilhões para construção e reforma de outros 22 mil quilômetros de ferrovias. Metade desse investimento, que será feito em regime de concessão ao setor privado, será licitada ainda neste ano, com prazo de conclusão até 2018. A outra metade está em planejamento e será licitada no ano que vem. Quando isso acontecer, a soja que hoje é colhida em Mato Grosso e em Goiás, e levada de caminhão até o porto de Santos para ser exportada para a China, será transportada de trem até Porto Velho (RO), onde será embarcada em barcaças e levada pela hidrovia do rio Amazonas até o porto de Belém.
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Dali partirá para a China pelo Canal do Panamá, num trajeto muito mais curto – e mais barato. “Quando isso estiver funcionando, vamos viver uma outra realidade”, diz Figueiredo. Enquanto as ferrovias não ficam prontas, o governo estuda ações para amenizar o problema. Uma das alternativas é aumentar a área de armazenagem no porto de Santos. Por incrível que pareça, o embarque é feito direto do caminhão para os navios, a céu aberto. Se chover, como frequentemente acontece nesta época do ano, a operação tem de parar. O governo também estuda incentivar a construção de silos de armazenagem perto das regiões de produção agrícola, para evitar que os grãos e cereais sejam embarcados imediatamente após a colheita.
Hoje o País tem carência de silos. A FAO, agência das Nações Unidas para Alimentação, recomenda que o Brasil tenha capacidade para 120% da sua safra anual, mas hoje essa relação é de 78%: para uma safra de 185 milhões de toneladas, os armazéns comportam apenas 145 milhões, com um déficit de 40 milhões, o equivalente à produção de soja da Argentina, na safra passada. Sem esse recurso, e para aproveitar as altas de preços, os produtores acabam transferindo para os caminhões seus estoques, como vem acontecendo nos últimos dias. Mais do que salvar o lucro da lavoura brasileira, o governo tem outro motivo muito forte para tentar desatar de vez o nó logístico.
As vendas da cadeia da soja somaram US$ 26 bilhões no ano passado, o equivalente a 10,7% das exportações brasileiras, turbinando o desempenho do agronegócio, que gerou, como um todo, um superávit de US$ 80 bilhões na balança comercial, enquanto o saldo geral foi de US$ 19,4 bilhões. Ou seja, sem a âncora agrícola, a balança comercial teria um enorme rombo. Nos próximos anos, estima-se que o consumo mundial de soja vá aumentar, e o Brasil é o país que mais reúne condições de ampliar sua produção. Durante todo o mês de março, representantes dos ministérios da Agricultura e dos Transportes e da Secretaria Especial de Portos se reuniram para estudar cenários e soluções, que devem ser anunciadas nesta semana. Se a próxima safra for tão generosa quanto a atual, é bom correr para não continuar desperdiçando a riqueza que vem do campo.
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Colaborou: Cristiano Zaia

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