LEGISLAÇÃO

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A cultura anticorrupção e o comércio exterior



A cultura anticorrupção e o comércio exterior


Autor(a): DIEGO JOAQUIMAdvogado especialista em Direito Internacional e Aduaneiro. Membro da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB Santos. Diretor da Joaquim & Torres Advogados.


Com anos de atraso em relação aos países desenvolvidos, e após pressão internacional para regularização e maior transparência em negociações - além da pressão popular interna -, hoje em dia podemos contar com uma lei que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pelas práticas de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, em nosso ordenamento jurídico. A chamada "Lei Anticorrupção".


São diárias as notícias relacionadas com corrupção no Brasil, e isso se dá pela divulgação instantânea dos acontecimentos em nosso país. Vejamos, nesse contexto, os julgamentos ocorridos no caso "Mensalão", as investigações ocorridas na operação "Lava Jato", ou, ainda, a Operação "Zelotes", que deflagrou corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.


Ora, uma vez que o CARF - a mais alta corte administrativa para as matérias tributárias e aduaneiras - se viu investigado por atos de corrupção, não nos parece incoerente a importância que se dá à Lei Anticorrupção nas operações de comércio exterior e, por conta disso, buscamos endereçar alguns comentários a respeito da relevância da legislação para as empresas importadoras e exportadoras e a mudança de cultura que esta tem trazido para as operações.


"A ocasião faz o ladrão?" É sabido, pelos intervenientes do comércio exterior, que o ambiente burocrático de importação e exportação e o constante relacionamento entre empresa e poder público possibilita - para aqueles que veem esse fato como oportunidade - a prática de atos ilícitos ou corruptos. Seja a pessoa jurídica ou seus representantes. Aqueles que atuam no comércio exterior, com certeza, já ouviram termos como "taxa de urgência" ou "cafezinho". Infelizmente o solo de corrupção ainda é fértil em nosso país.


Não concordamos com isso e temos visto que o cenário, ou melhor, a cultura está mudando - o que é digno de aplausos. Talvez pela necessidade em apresentar uma nova perspectiva aos países estrangeiros e garantir a continuidade dos investimentos em nosso país, mas é possível notar que há programas aduaneiros buscando pela transparência, relacionamento e assertividade nas operações de comércio exterior brasileiro, tais como: Portal Único de Comércio Exterior e Operador Econômico Autorizado. Mas, nesse contexto, qual é a importância da Lei Anticorrupção para as empresas importadoras?


Tema trazido pela Lei nº 12.846/2013, teve seu Regulamento publicado após dois anos, com a promulgação do Decreto nº 8.420/2015, na busca de instituir o comportamento empresarial íntegro, ético e responsável, baseado nas boas práticas e na cultura da prevenção. Resta evidente, em nossa opinião, que a transparência nas operações é uma tendência na legislação aduaneira.


Temos percebido que as empresas - principalmente de pequeno e médio porte - ainda olham com desconfiança para a aplicação da Lei Anticorrupção em suas operações e a consideram distante de sua realidade. Todavia, uma vez que a legislação e seu respectivo Regulamento estejam em vigor, não será surpresa, em um futuro próximo, que se iniciem os Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) no comércio internacional, responsabilizando de forma objetiva - que independe de dolo ou culpa - aquelas pessoas jurídicas que praticarem um dos tipos infracionais descritos pela Lei Anticorrupção.


Vale a ressalva que as condutas tipificadas como atos lesivos à administração pública foram definidas de forma bastante ampla e, ainda que se veiculem notícias sobre corrupção em licitações, pode atingir qualquer operação entre particular e administração pública, inclusive no comércio exterior. Vejamos o disposto no artigo 5º da Lei nº 12.846/2013:


"Art. 5º - Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:


I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;


II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;


III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;


IV - no tocante a licitações e contratos:


a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;


b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;


c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;


d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;


e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;


f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou


g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;


V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional."


Ora, uma vez que as empresas importadoras e exportadoras são sempre representadas por funcionários ou terceiros em suas operações, não é incomum vermos procedimentos desconhecidos pela diretoria e podem resultar em uma penalidade severa trazida pela Lei Anticorrupção. Dessa forma, o risco a ser gerenciado se torna grande, considerando que a multa pode atingir 20% sobre o faturamento bruto do último exercício da empresa, sem contar a publicação extraordinária da decisão condenatória. Evidente que o valor da multa poderá ser tão expressivo e a exposição tão devastadora que a condenação poderá encerrar a atividade de empresas.


Ademais disso, analisando atentamente o Regulamento trazido pelo Decreto nº 8.420/2015, vemos que o disposto no artigo 3º estabelece a instauração e o julgamento do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) como competência da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo ou, no caso da Receita Federal, do seu Ministro de Estado ou a quem for delegada. Ou seja, uma vez praticado ato lesivo à administração pública, na pessoa da Secretaria da Receita Federal, esta poderá ser responsável pela instauração, lavratura e julgamento do processo, fazendo às vezes de juiz e parte.


Dessa forma, como podem as empresas importadoras reagir às penalidades aplicáveis?


As palavras que podem responder a essa pergunta são disciplina, prevenção e treinamento. A partir daí, ganha ênfase a necessidade do chamado "Programa de Compliance" às empresas importadoras e exportadoras, o que, em linhas gerais, pode ser descrito como "conjunto de normas internas para fazer a empresa agir de acordo com as regras vigentes". Ressaltamos que a legislação chama de "Programa de Integridade", o que repercute a necessidade de atos praticados com ética e responsabilidade.


Sua importância não está somente na prevenção, mas, também, na atenuante prevista na lei. Uma vez concluído o PAR com a aplicação da penalidade à empresa, o efetivo "Programa de Compliance" poderá garantir maior atenuante à multa prevista na legislação - "um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade"(1). Tal medida preventiva pode reduzir até 4% (!) da multa a ser aplicada, desde que o programa seja efetivo e praticado por meio de procedimentos internos, auditoria das operações, incentivo à denúncia de irregularidades, constantes treinamentos das equipes e real aplicação de código de ética e conduta, como medidas que impeçam a realização de atos corruptos por parte de seus representantes.


É claro que, por conta disso, o comércio exterior brasileiro verá mudanças em sua cultura e, por consequência, na cultura interna das empresas que atuam nessa área, deixando estas de serem reativas, e se tornando proativas na luta contra a corrupção.


Concluímos, para tanto, que a mudança da cultura nas operações de importação e exportação começa a se caracterizar quando há normativas que se caracterizam pela importância dada à transparência, ao relacionamento e comportamento ético, íntegro e responsável por parte dos intervenientes no comércio exterior.


Daí surge a necessidade e a relevância da prevenção, dos constantes treinamentos de equipe e mapeamentos das operações que deverão ser realizados pelas empresas importadoras - frisamos, aqui, independentemente do tamanho de suas operações - para que seja utilizado como mitigação dos riscos às penalidades. Mudança de cultura dá-se por consequência da mudança de atitude, e essa, espera o Poder Público, que ocorra por conta das pessoas jurídicas particulares.


Nota:(1) Decreto nº 8.420/2015, artigo 18, inciso V.


Fonte Internet: Aduaneiras, 10/08/15


http://www.abece.org.br/Noticias/ComercioExteriorRead.aspx?cod=6041

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