LEGISLAÇÃO

segunda-feira, 13 de maio de 2013

GUERRA DOS PORTOS - ICMS/PR


GUERRA DOS PORTOS – A inconstitucionalidade do Ajuste SINIEF nº 19/2012 e da sua regulamentação paranaense pelo Decreto nº 6.890/2012

Por: Daniel Prochalski* 

Resolução do Senado Federal RSF nº 13, de 25/04/2012, foi editada com a louvável iniciativa de tentar acabar com a malsinada “guerra dos portos”, expediente amplamente utilizado por alguns estados, através de incentivos fiscais, para tornar atrativa a importação em seus territórios. 

Em síntese, a RSF 13/2012, em vigor desde 01/01/2013, determina que a alíquota do ICMS - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de4% (quatro por cento)

No entanto, o art. 1º da resolução especificou que esta alíquota interestadual, unificada em 4%, aplica-se aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro: 

I - não tenham sido submetidos a processo de industrialização; ou 

II - ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento,resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento)

O § 3º do art. 1º da RSF 13/2012 delegou ao CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária a competência para editar normas com o objetivo de definir os critérios e procedimentos a serem observados no processo de “Certificação de Conteúdo de Importação (CCI)”

A partir desta prerrogativa, o CONFAZ editou o Ajuste SINIEF nº 19, de 07/11/2012, norma regulamentar que, dentre outros aspectos, cria a FCI - Ficha de Conteúdo de Importação e exige que o contribuinte informe em campo próprio na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e): 

a) O valor da parcela importada do exterior e o conteúdo da importação expresso percentualmente; e 

b) O valor da importação, na hipótese de bens ou mercadorias importados que não tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente. 

Por força do Ajuste SINIEF nº 27, de 21/12/2012, o início da obrigatoriedade de preenchimento e entrega da FCI foi adiado para o dia 01/05/2013

As exigências contidas na RSF 13/2012 e no Ajuste SINIEF 19/2012 foram incorporadas à legislação paranaense pelo Decreto estadual nº 6.890, de 28/12/2012. E diante da prorrogação nacional realizada pelo Ajuste SINIEF 27/2012, o Estado do Paraná publicou o Decreto nº 7.262/2013, aplicando o novo prazo neste estado. 

Diante dessa prorrogação, a fiscalização das obrigações acessórias teve, até o dia 01/04/2013, “caráter exclusivamente orientador, salvo nos casos de dolo, fraude ou simulação devidamente comprovados pelo Fisco”, conforme estabeleceram as referidas normas. 

De qualquer forma, é inequívoco que esta exigência impõe ao contribuinte o dever de informar, nas notas fiscais, os seus custos de importação. Esta situação acarreta óbvios constrangimentos na relação negocial, uma vez que os clientes do importador presumirão, possivelmente de forma equivocada, as margens de lucro adotadas na operação. 

É notório, portanto, que o atendimento ao Ajuste SINIEF nº 19/2012 ofende os mais relevantes princípios de Direito Econômico positivados na Constituição Federal de 1988, como as garantias da livre iniciativa (art. 1º, IV e art. 170, caput) e da livre concorrência(art. 170, IV), haja vista que as empresas têm o direito de exercerem sua atividade sem obstáculos estatais ilegítimos. 

Estes óbices inconstitucionais se farão presentes neste caso a partir do momento em que a indicação dos valores acima criará no cliente a conclusão equivocada de que o lucro do importador coincide com a diferença entre o valor da venda e os custos da importação consignados na nota fiscal, sem levar em consideração que o resultado líquido compreende outros custos indiretos e despesas não informados. 

É sabido que as atividades empresariais sempre exigiram a garantia da confidencialidade, essencial para uma concorrência saudável, premissa inafastável para o desenvolvimento do país em uma economia de mercado

Por outro lado, as exigências contidas no Ajuste SINIEF 19/2012 – por se configurarem como obrigações acessórias - não possuem relação de pertinência com a obrigação principal a ser cumprida pelos contribuintes. 

Ainda que as obrigações acessórias, nos termos do art. 113, § 2º do Código Tributário Nacional, possam ser criadas por “legislação tributária” – categoria na qual estão incluídas as normas infralegais nos termos do art. 96 do mesmo diploma – é cediço que o dever instrumental deve revelar razoabilidade com o atendimento da obrigação principal, com a qual mantém estreita relação. 

No presente caso, é cristalino que as exigências no preenchimento da FCI - Ficha de Conteúdo de Importação, bem como na nota fiscal eletrônica, são dispensáveis, uma vez que o valor do ICMS devido pode ser obtido independente destas informações, apenas com o valor total do documento fiscal. E caso entenda necessário, o fisco tem a prerrogativa do poder de polícia, pelo qual poderá investigar a veracidade das informações fornecidas em cada operação. 

Felizmente, o Poder Judiciário tem acolhido os argumentos dos contribuintes, inclusive aqui, no Estado do Paraná, conforme ilustra a seguinte decisão proferida pelo e. Tribunal de Justiça: 

Agravo Regimental. Mandado de segurança. Cláusulas quinta, sexta e sétima do Ajuste SINIEF n.º 19/2012, que impõem ao importador, a partir de 1.º de maio de 2013, a obrigação acessória de declarar na nota fiscal eletrônica (NF-e) o custo de importação das mercadorias, o número da Ficha de Conteúdo e Importação (FCI) e o conteúdo da importação expresso em percentual - Liminar concedida, a fim de determinar que a autoridade coatora se abstenha de obrigar a parte impetrante a atender tais exigências - Insurgência do agravante, aos argumentos, basicamente, de que essa liminar obsta o fim almejado pela "guerra dos portos" e de que as exigências impostas são o único meio de se aferir se a operação demanda a aplicação da alíquota única de 4% prevista na Resolução do Senado Federal n.º 13/2012 - Argumentos que, ao menos em análise perfunctória, não afastam a presença dos requisitos para a concessão da liminar - Precedente desta Corte. Recurso desprovido. (TJPR - 3ª C.Cível em Composição Integral - AR 1024103-9/01 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Rabello Filho - Unânime - J. 07.05.2013) 

Com efeito, verifica-se que os argumentos acima - os quais estão sendo reiteradamente invocados pelas empresas importadoras - constituem questões relevantes e legítimas, uma vez ser flagrante a violação de princípios constitucionais, não só de Direito Tributário como também e especialmente de Direito Econômico. 

* Daniel Prochalski é advogado sócio do escritório Prochalski, Castan, Staroi & Silva - Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela PUC-PR. Mestre em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Curitiba. Professor titular de Direito Tributário do Cescage - Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais. Professor de Direito Tributário da Escola da Magistratura do Paraná - Núcleo Ponta Grossa 


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