LEGISLAÇÃO

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O brasileiro que salvou o comércio internacional



O brasileiro que salvou o comércio internacional

Roberto Azevêdo protagonizou o primeiro acordo da Organização mundial do comércio em 20 anos. O Brasil, no entanto, não pode ficar de braços cruzados

Por Denize BACOCCINA
O jeitinho brasileiro é muito criticado no País e no Exterior, como sinônimo de falta de respeito às regras. Mas foi o jeito do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo, diplomata reconhecido por suas habilidades de negociador, que possibilitou a realização do primeiro acordo da Organização Mundial de Comércio (OMC) em 20 anos. Ainda não foi o tratado amplo de liberalização do comércio que se ambicionava no lançamento da Rodada de Doha, em 2001. Mas, depois de quatro dias de reuniões na ilha de Bali, na Indonésia, comandando reuniões que atravessaram duas madrugadas, o diretor-geral da OMC anunciou, no último dia 7, que os ministros dos 159 países-membros da organização haviam finalmente chegado a um consenso. 
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Saudações ao mundo: Roberto Azevêdo (ao centro) é celebrado pelos ministros
que participaram do encontro da OMC, em Bali
Foi uma vitória da globalização, a maior desde o século passado. “Estamos de volta, Bali é só o começo”, disse Azevêdo, que foi efusivamente aplaudido e chorou de emoção ao agradecer o apoio da mulher, a também embaixadora brasileira Maria Nazareth Azevêdo. O diplomata cumpriu o que disse à DINHEIRO, em janeiro, quando anunciou sua candidatura ao comando da instituição: “construir pontes” entre os países, para destravar uma negociação paralisada desde meados da década passada. “Agora vamos voltar às negociações globais para a Rodada de Doha”, afirmou após o acordo. 
Baiano de Salvador, 56 anos, Azevêdo inovou já no início da reunião, ao apresentar um documento sintético, listando apenas os itens em que acreditava ser possível obter consenso, já que todas as decisões da OMC precisam ser tomadas por unanimidade. O encontro começou desacreditado. Mas os resultados mostraram que Azevêdo conseguiu responder ao desafio, apenas três meses depois de assumir o cargo, em setembro. A conferência produziu dez acordos, que criam novas regras de facilitação de comércio, dão preferência para produtos perecíveis no desembaraço alfandegário e redistribuem as cotas de importação. 
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Luiz Furlan, ex-ministro: "O Brasil precisa escolher com quem vai dançar"
O Instituto Peterson de Economia Internacional, de Washington, calculou que as mudanças, se forem colocadas em prática, podem ampliar em US$ 1 trilhão o comércio global, que no ano passado somou US$ 18,3 trilhões. E, de quebra, vão gerar ao menos 21 milhões de empregos. Para o Brasil, que detém uma parcela de 1,7% do comércio mundial, as medidas significam um ganho de U$ 17 bilhões. A OMC ainda precisa avançar nas questões mais polêmicas da negociação dos últimos dez anos, como a redução das tarifas de importação de bens e os subsídios agrícolas concedidos pelos Estados Unidos e União Europeia aos seus produtores. 
Ainda assim, o governo brasileiro avaliou o resultado como positivo. “Foi excelente, uma vitória dos países que acreditaram na OMC”, disse o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. O acordo de facilitação de comércio, que prevê maior transparência e uniformização dos procedimentos alfandegários, será muito útil para empresas brasileiras que vendem para países em desenvolvimento, além de forçar o próprio governo a melhorar seus processos. Hoje, muitos países nem sequer publicam suas tarifas na internet, definindo apenas no momento do desembarque o valor do imposto. 
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Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento: "foi uma vitória
dos países que acreditaram na OMC "
“Vamos ganhar mais segurança e transparência para fazer operações”, diz Carlos Abijaodi, diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O documento não terá, no entanto, implementação imediata, o que desperta o ceticismo de alguns empresários. “Pode ajudar a indústria, desde que se concretize”, diz Luiz Tarquínio, presidente da Fundição Tupy, de Joinville (SC). A empresa, dona de duas fábricas no Brasil e duas no México, tem 65% de seu faturamento relacionado ao mercado externo, com boa parte das exportações destinada à América do Norte, Europa e Ásia. O que ele lamenta é a falta de acordos bilaterais. 
“Ajudaria muito, ao aumentar o nível de abertura da nossa economia”, afirma Tarquínio. O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Aguinaldo Diniz Filho, também acredita que as novas regras vão facilitar a exportação, mas salienta que é preciso abrir mais mercados para reverter o saldo negativo da balança comercial do setor, em torno de US$ 5 bilhões por ano. “O que precisamos é de acesso a mercados”, diz. De fato, o acordo assinado em Bali é importante como uma indicação de que a OMC continua relevante. Mas o Brasil precisa ir além do multilateralismo e fechar novas parcerias bilaterais, abrir novos mercados. 
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Go home, OMC: estudantes protestam contra os participantes do encontro
em Bali. O motivo? Nem eles sabem...
“O problema é que todo mundo quer vender”, diz Robson Andrade, presidente da CNI. Além disso, o Brasil está atrelado ao Mercosul e não pode negociar acordos de livre comércio sem a concordância dos membros do bloco. E a Argentina, principal parceira comercial, apesar de destino importante de produtos manufaturados, funciona como uma bola de chumbo atrasando o avanço brasileiro. O tempo perdido nas negociações bilaterais trouxe consequências. Uma negociação em andamento entre Mercosul e União Europeia teve a data de entrega de propostas adiada para janeiro, a pedido dos europeus. 
Enquanto isso, os Estados Unidos vêm se movimentando. Em Bali, a delegação americana cuidava de outras negociações, que podem deixar o agronegócio brasileiro para trás. A Parceria Transpacífica (TPP) vai criar um bloco comercial entre os Estados Unidos e outros oito países e pode estar concluída ainda no primeiro semestre de 2014. Outro acordo com a União Europeia vai criar o maior bloco comercial do mundo. “O que está acontecendo é que um trem de alta velocidade está passando por nós e estamos ficando para trás”, diz Marcos Jank, diretor global de assuntos corporativos da Brasil Foods, que acompanhou a conferência, em Bali. 
“Esses acordos me deixam apavorado, porque o Brasil pode ficar de fora do crescimento de mercado que haverá nos próximos anos no setor agrícola.” Nos últimos 12 anos, a participação do País no comércio internacional dobrou, mas ainda é pequena e a dependência dos chineses, enorme. Para o ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan, o governo precisa atualizar sua estratégia. Quando a Rodada de Doha começou, o agronegócio exportava US$ 20 bilhões, dos quais 60% para a Europa, o que tornava prioritária a redução dos subsídios agrícolas. Agora, o setor exporta US$ 100 bilhões e mais da metade vai para a Ásia. O protecionismo vem mais de países em desenvolvimento, como a Índia, que quer blindar sua agricultura familiar. “O Brasil precisa escolher com quem vai dançar”, diz ele. Se o mundo mudou, o País não pode ficar parado.
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