Por Kelly Martarello | @comexblog
Mais uma barreira para importação foi imposta pelo governo federal, através da nova legislação publicada no dia 03 de outubro de 2012 – Instrução Normativa SRF 1288, de 31/08/2012 (D.O.U. 03/09/2012) – a qual estabelece as novas regras de habilitação para operar no comércio exterior, sendo regulamentada suplementarmente por meio do Ato Declaratório n. 33/2012.
A nova norma administrativa introduziu no sistema legislativo diversas modificações na habilitação do comércio exterior, popularmente chamada de Habilitação no RADAR, dentre as quais destacamos a nova denominação da habilitação do RADAR, novos prazos para concessão e análise da habilitação no comércio exterior, mas principalmente novos critérios para análise da capacidade financeira das empresas.
Uma das inovações positivas desta nova norma foi a determinação de prazos reduzidos para a análise e concessão da habilitação no SISCOMEX, eis que a análise das habilitações de pessoa jurídica na submodalidade “expressa” deverão ser processadas no prazo de 02 (dois) dias úteis, contados da protocolização do requerimento. Já os pedidos das demais modalidades (limitada e ilimitada; pessoa física; revisão de habilitação), deverão ser processados no prazo máximo de 10 (dez) dias contados de sua protocolização, interrompendo o prazo as eventuais intimações exaradas para cumprimento de exigência fiscal, as quais também terão o prazo de 10 dias para cumprimento.
Outra mudança introduzida pela recente legislação é relativa à denominação das modalidades de importação para as pessoas jurídicas, as quais foram divididas pela legislação nas seguintes modalidades e submodalidades:
  1. EXPRESSA: destinada às empresas constituídas sob a forma de sociedade anônima de capital aberto, com ações negociáveis em bolsa de valores ou no mercado de balcão; autorizadas a utilizar o Despacho Aduaneiro Expresso (Linha Azul); empresas públicas ou de economia mista; pessoa jurídica habilitada para fruir dos benefícios previstos na Lei 12.350/2012 (Lei da Copa do Mundo), bem como para as pessoas que pretendem atuar exclusivamente em operações de exportação.
  2. ILIMITADA: é a antiga modalidade de Radar Ordinário, destinada a pessoa jurídica cuja estimativa da capacidade financeira seja superior a US$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares/EUA). A comprovação desta capacidade financeira poderá ser feita de ofício, mediante as informações disponíveis na base de dados da RFB.
  3. LIMITADA: trata-se da antiga modalidade de Radar Simplificado, a qual é destinada a pessoa jurídica cuja estimativa da capacidade financeira, seja igual ou inferior a US$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares).
A primeira questão polêmica introduzida por esta norma e com graves desdobramentos na aplicabilidade prática refere-se à análise financeira para concessão da habilitação ilimitada, a qual será apurada mediante apuração estimada da soma dos recolhimentos de tributos federais e contribuições previdenciárias recolhidos nos últimos 5 (cinco) anos anteriores ao protocolo do requerimentos.
Os tributos federais que servirão como base para análise da capacidade financeira da empresa são o IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, com exceção dos tributos vinculados ao comércio exterior, parcelamentos ordinários ou especiais e a tributos exigidos em lançamento de ofício. Serão contabilizadas para efeitos de cálculo somente as contribuições previdenciárias relativas aos empregados contratados diretamente pela empresa requerente.
A primeira crítica que se faz acerca deste critério de obtenção da capacidade financeira é a de consubstanciar a análise exclusivamente nos tributos federais recolhidos, eis que tal critério revela-se excessivamente singelo, posto que a fixação de um fato complexo tal qual a capacidade financeira de uma empresa não pode ser auferido única e exclusivamente nos tributos recolhidos, eis que há outros meios eficazes utilizados órgãos econômicos para determinar a capacidade financeira de uma empresa, tal qual limite de crédito fornecido por instituições bancárias, fornecedores estrangeiros, capacidade financeira e patrimonial dos sócios que compõem a pessoa jurídica.
Outro disparate introduzido pela nova norma é o de excluir da análise financeira da empresa os tributos recolhidos nas operações de comércio exterior, em situação de parcelamento e/ou mediante lançamento de ofício. Ora, recolhimento de tributos, seja à vista ou parcelado, vinculado ou não ao comércio exterior, significa desembolso financeiro do contribuinte em favor do Estado na forma de tributo (prestação em dinheiro constituída em lei e obrigatória), e consequentemente receita tributária para o Estado (entrada definitiva de valores nos cofres públicos do Estado).

Por esta razão, havendo o efetivo recolhimento destes valores pelos cofres públicos e o desembolso financeiro pela empresa, não há qualquer critério lógico em excluir-se da análise financeira da empresa os tributos mencionados pela IN/SRF 1288/2012, eis que inquestionavelmente o pagamento destes comprova a capacidade financeira da empresa candidata a operar no comércio exterior.
Ademais, a comprovação de capacidade financeira mediante o critério exclusivo de apuração de tributos recolhidos irá inviabilizar as atividades de empresas que estão iniciando suas atividades, pois mesmo que possuam outras formas de comprovação de capacidade financeira serão obrigadas a utilizar a habilitação limitada, com valor máximo ínfimo de US$ 150 mil/semestre, o que inviabilizará as atividades econômicas das empresas recém constituídas.
Outro ponto que merece destaque e atenção redobrada é relativo à regularidade dos despachantes aduaneiros, eis que referida norma pune com a suspensão da habilitação para atuar no comércio exterior a pessoa jurídica que tenha como responsável perante o SISCOMEX despachante aduaneiro que venha a sofrer a penalidade do cancelamento ou cassação de sua autorização para o exercício das atividades relacionadas ao despacho aduaneiro, sem se falar na advertência prevista no § 6º artigo 11 de que as pessoas jurídicas devem cuidar da regularidade dos despachantes aduaneiros credenciados no SISCOMEX, sob pena de sofrer as sanções cabíveis.
Outro fato curioso é que a nova norma impõe limites de valor somente para as operações de importação, não havendo mais limites para as operações de exportação no Sistema da RF (RADAR), fato este que confirma o entendimento que a nova norma foi concebida como uma forma de barreira não tarifária às importações.
Mas isto não é tudo. Ao nosso ver, uma das maiores arbitrariedades desta nova norma é a modificação da sistemática da importação por encomenda, a qual anteriormente possibilitava que as empresas recém constituídas utilizassem o limite de habilitação de RADAR das tradings, mediante operação por encomenda (IN/SRF 634/2007), sendo que naquela oportunidade era feita a habilitação de RADAR “encomendante”.
Porém, esta nova Instrução Normativa determina que para as operações por encomenda, os critérios de habilitação deverão ser os mesmos da importação por conta e ordem de terceiros, ou seja, o encomendante deverá comprovar sua capacidade financeira, devendo utilizar o seu limite de RADAR para realizar as importações, equiparando assim as importações por conta e ordem de terceiros com a encomenda, em flagrante ofensa à mens legis que institui a importação por encomenda, bem como ao princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5˚, XXXVI, CF), sem se falar do princípio da livre ordem econômica (art. 170, da CF).
Com base nesta ilegalidade, principalmente na segurança jurídica, se tem notícias que algumas entidades de classe estão tentando modificar na COANA a regra relativa às importações por encomenda, sem, contudo, obter qualquer resultado prático até o momento.
Neste contexto, conclui-se pela arbitrariedade e inconstitucionalidade desta nova regra de habilitação para operar no comércio exterior, eis que impõe diversas exigências inatingíveis para empresas que estão iniciando as suas atividades, bem como para as importações por encomenda, em clara ofensa ao princípio da livre iniciativa, liberdade de iniciativa econômica, eis que se tratando o Brasil de um país capitalista e de livre mercado, não se pode prejudicar a iniciativa econômica privada, por meio de expedientes inconstitucionais.
Aliás, estas novas exigências para habilitação no comércio exterior, levam a crer que o Brasil está utilizando o RADAR inquestionavelmente como uma espécie de barreira não tarifária, pois está utilizando este instrumento como medida de proteção e restrição às importações, quando deveria ser utilizado como mero instrumento de controle das operações de comércio exterior, configurando flagrante ofensa do Brasil aos tratados internacionais de comércio (GATT e OMC).
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