LEGISLAÇÃO

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Justiça Tributária



Se o imposto não é mais de Cesar, é do povo.

Consta das leituras dos religiosos que, ao ser questionado sobre o dever de pagar imposto aos romanos, Jesus foi categórico: “Dai a Cesar o que é de Cesar”. A cobrança de impostos pelos dominadores faz parte da história da humanidade desde os mais remotos tempos. Quem não os pagava era reduzido à condição de escravo e até mesmo condenado á morte, tendo seus bens confiscados.
Hoje há garantias constitucionais na maioria dos países tidos como civilizados. Nossa Constituição, por exemplo, proíbe a cobrança de imposto com efeito confiscatório e a prisão por dívida. Por isso é que não podemos abrir mão da nossa luta permanente por Justiça Tributária.
Disse recentemente a nossa presidente que no ano de 2013 a redução da carga tributária receberá sua especial atenção. Disse textualmente que sua maior luta será a redução dos impostos.
Devemos acreditar nisso, não só porque se trata de afirmação presidencial, mas porque não haverá a menor possibilidade de crescimento de nossa economia sem redução de impostos. Cabe aqui um comentário: não terá qualquer efeito uma redução de impostos se ela vier acompanhada de aumento nas contribuições (PIS, COFINS, PASEP, INSS, CIDE, etc.). Devemos acreditar naquilo que o país precisa: uma redução da carga tributária no sentido amplo do termo. Ou as alíquotas são reduzidas ou, melhor ainda, impostos são eliminados.
Realmente, uma carga tributária de cerca de 36% do PIB está muito acima das que são suportadas pelos países emergentes cujas economias mais de perto concorrem com a nossa. Fica muito difícil, por exemplo, nossa indústria automotiva concorrer com o México ou a Coréia, cujos veículos chegam aqui a preços competitivos graças a uma tributação interna que é de aproximadamente metade da nossa.
Também não faz sentido onerar os veículos novos e usados com o IPVA, a uma taxa de cerca de 4%. Esse imposto, como já comentamos aqui em 21/11/2011 – clique aqui para ler- jamais deveria ter sido criado, pois trata-se de imposto sobre propriedade que incide sobre a mesma coisa que sofre tributação sobre o consumo. Afinal, veículo é bem de consumo, não propriedade.
Por outro lado, a recente lei 12.741, que entra em vigor dentro de 6 meses, servirá de instrumento de educação cívica para que o cidadão tenha uma idéia, ainda que aproximada, de quanto está pagando de imposto em cada compra que fizer. Com isso, haverá maior possibilidade de que venha acionar mecanismos de pressão (sindicatos, ONGs, políticos, etc.) para redução da carga ou pelo transparência nos gastos públicos e até no emprego melhor do dinheiro público.
Caso a redução da carga passe pela eliminação de impostos, ela se torna mais simples e serve também para reduzir a burocracia. Na reforma de 1965 (EC 18) criou-se o IPI em lugar do imposto de consumo. Ficamos até hoje com dois impostos sobre o consumo de uma mesma mercadoria ou produto , pois instituiu-se o ICM (hoje ICMS) substituto do antigo IVC (imposto sobre vendas e consignações). Criamos a baderna tributária que se tornou pior com a CF de 1988, fazendo incidir ICMS sobre energia, serviços de telecomunicações, etc. Ou seja: estava ruim, mas ficou pior.
Veio também esse absurdo legislativo chamado substituição tributária, criando-se arbitramentos com margens de lucro exageradas ou inexistentes.
Ninguém se lembrou em 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição, que estávamos no inferno inflacionário. Chegamos a uma inflação anual de 2.780% (em 1993), onde o valor de bens e serviços podia ser e muitas vezes era mesmo apenas uma fantasia. Permaneceram as multas exorbitantes, as taxas absurdas, enfim, o inferno continua, apesar da inflação sob controle.
Empresas precisam ter lucro e pessoas físicas devem ganhar o suficiente para ter uma vida decente. Isso vem sendo cada vez mais prejudicado e inviabilizado com uma carga tributária que se aproxima dos 40%, pois ninguém consegue ter esse percentual de lucro ou rendimento líquido.
A afirmação atribuída a Jesus era no sentido de que o imposto pertencia a Roma e assim a Cesar, numa época em que o governante tinha poderes ilimitados. O estado se confundia com o imperador, cujo poder não tinha limites.
Neste século 21 não há poderes ilimitados na República e nem mesmo nas monarquias constitucionais. O poder pertence ao povo, como diz a CF no § único do seu artigo 1º.
Ganha destaque maior não só a carga, mas especialmente a aplicação do dinheiro público. O que pagamos de impostos não pode mais ser aplicado de forma irresponsável, seja ele desviado para o bem de meliantes, seja para utilização em obras desnecessárias, festas em que o povo engana-se a si próprio ou a manutenção de servidores inúteis, que não trabalham.
Se o imposto não é mais de Cesar, é do Povo, pois é este que detém o poder. Portanto, o dinheiro do imposto é nosso. Não é do ministro da Fazenda, nem do Tesouro Nacional, nem mesmo da Presidente.
Não podemos mais permitir que o nosso dinheiro seja desviado ou seja gasto em asneiras. Chega de construir palácios ou museus que muitas vezes servem apenas para atender à ridícula megalomania de determinadas pessoas.
Nós, o povo, não podemos ser obrigados a pagar impostos enquanto instituições religiosas, por exemplo, estão imunes à tributação. Todos sabemos que, embora algumas prestem serviços educacionais ou se saúde aos carentes, muitas há que aplicam as fabulosas quantias arrecadadas em atividades dentro e fora do país sem nenhuma fiscalização, chegando a criar organizações de grande poder econômico, dominando meios de comunicação e até transformando seus proprietários (não líderes, mas proprietários mesmo) em donos de imensas riquezas.
Se o imposto pertence ao povo, o povo tem o direito de exigir que o resultado da arrecadação somente seja aplicado em seu benefício. Para isso, precisamos nos organizar em ONGs ou em qualquer entidade que possa nos representar para essa tarefa. Deveriam ser os partidos políticos. Mas, infelizmente, esses também já se tornaram um negócio como qualquer outro, com donos, gerentes, etc., a ponto de realizarem fusões, incorporações e cisões como qualquer empresa mercantil.
Quando se fala em benefício do povo, isso deve ser considerado na forma do preâmbulo das Constituição, ou seja, como instrumento de uma sociedade fraterna e justa. Assim, a aplicação do nosso dinheiro nos programas sociais dos governos deve ser aceita e estimulada. Nossos irmãos brasileiros não podem ficar à margem do desenvolvimento do país. O uso dos recursos públicos em educação, saúde e assistência social para os mais carentes é, sem dúvida alguma, prioritário. Além disso, é necessário que haja verbas para as obras de infra-estrutura em todo o território nacional, com atenção especial para as áreas mais carentes.
Se lutamos pela redução da carga tributária, numa luta que nossa presidente também declara assumir, e ao mesmo tempo estamos conscientes das necessidades citadas (infra-estrutura e programas sociais) , não podemos mais aceitar, de forma alguma, as iniciativas politiqueiras que desviem nosso dinheiro para outras coisas.
Devemos denunciar todos os casos de aplicação indevida dos recursos públicos. Festas populares ou religiosas só podem ser financiadas pelas entidades privadas, pelas igrejas ou pelas pessoas interessadas nesses eventos.
O mesmo é válido para o carnaval as famigeradas festas de peão ou rodeios, pois não faz sentido o dinheiro do imposto ser aplicado num evento onde o povo paga ingressos muitas vezes caríssimos e empresas privadas financiam com patrocínios de grande monta. Isso tudo parece uma grande lavandeira e não pode ser viabilizado com nossos impostos. Isso para não falarmos nos cachês pagos a supostos artistas (alguns execráveis e medíocres) que aparecem nos eventos apenas para beber e comer à nossa custa.
Se o dinheiro do imposto é nosso, vamos ficar espertos e não deixar que administradores ou políticos irresponsáveis o gastem de forma criminosa ou mesmo leviana. Vamos denunciar todo mundo que faça isso e vamos exigir que nosso representantes no legislativo trabalhem nesse sentido.
Raul Haidar é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2012

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