LEGISLAÇÃO

quarta-feira, 8 de junho de 2016

O ENGANOSO JOGO TRANSPACÍFICO


O ENGANOSO JOGO TRANSPACÍFICO


O acordo comercial Parceria TransPacífico (TPP, na sigla em inglês) vem sendo retratado como uma benção para todos os 12 países envolvidos. A oposição ao acordo, no entanto, parecer ser o único ponto de consenso entre os candidatos presidenciais remanescentes nos Estados Unidos. O ministro do Comércio do Canadá, por sua vez, expressou sérias reservas sobre o tratado. Será que os críticos da TPP estão sendo insensatos?

Em uma palavra, não. Sem dúvida, a TPP poderia ajudar os EUA a impulsionar seu objetivo de conter a influência da China na região da Ásia-Pacífico, o que pode ser exemplificado na declaração do presidente americano Barack Obama: "Com a TPP, a China não determina as regras naquela região; nós o fazemos". A justificativa econômica, no entanto, não é nem de perto tão forte. Na verdade, embora a TPP venha a trazer alguns ganhos, estes serão acumulados principalmente pelas grandes empresas, à custa dos cidadãos comuns.

Em termos de ganhos, um estudo do governo dos EUA sobre o assunto projetou que, em 2025, a TPP vai incrementar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de seus países em apenas, no máximo, 0,1%. Mais recentemente, a Comissão de Comércio Internacional (ITC) dos EUA estimou que, em 2032, a TPP vai elevar a expansão da economia em 0,15% (US$ 42,7 bilhões) e a renda em 0,23% (US$ 57,3 bilhões).

A realidade é que a TPP vai ter um impacto quase imperceptível no PIB, beneficiar quase exclusivamente as grandes empresas e restringir o espaço de manobra que os governos precisam para acelerar o desenvolvimento e proteger o interesse público. Bela parceria

Os defensores da TPP, contudo em grande medida ignoram esses resultados e preferem citar dois estudos do Peterson Institute of International Economics (PIIE), um instituto famoso por sua torcida a favor da globalização econômica. Em 2012, o PIIE argumentou que a TPP iria incrementar o PIB total dos membros em 0,4% depois de dez anos. Em janeiro, declarou que a TPP iria elevar o PIB total em 0,5% ao longo dos próximos 15 anos. Em estudo do Banco Mundial divulgado no mesmo mês, autores da análise do PIEE projetaram elevação média de 1,1% no PIB dos países da TPP em 2030.

Claramente, algo não está certo. Uma olhada mais de perto revela que as conclusões desses estudos sobre os benefícios da TPP carecem de teorias econômicas, de modelos econômicos confiáveis e de evidências empíricas que as apoiem. As únicas vantagens apresentadas condizentes com uma metodologia convencional de análise são os benefícios comerciais que se referem a tarifas. Mas se os autores do PIIE tivessem usado métodos convencionais para estimar os ganhos totais decorrentes do comércio exterior, esses benefícios representariam uma parte muito pequena dos ganhos alegados com a TPP. De acordo com o PIIE e o Banco Mundial, cerca de 85% do crescimento total com a TPP se deve a "medidas não comerciais" e a investimentos externos.

Além disso, os estudos ignoram o emprego e a distribuição de renda - pontos nos quais recaem alguns dos principais riscos da liberalização do comércio exterior. Em vez disso, simplesmente presumem emprego pleno em cada país e uma distribuição de renda, balança comercial e posição fiscal constantes em todos os países.

O estudo da ITC, que usou um modelo um pouco diferente, prevê que o aumento no déficit comercial destruiria 129.484 empregos americanos (inexplicavelmente também estima que a TPP elevaria o emprego em 128 mil postos). Também projeta um aumento líquido nas exportações de US$ 25,2 bilhões em 2032 (em dólares de 2032), uma pequena fração da projeção do PIIE, de US$ 357 bilhões em 2030 (em dólares de 2015).

Para nosso estudo, meus colegas e eu usamos as próprias estimativas de 2012 do PIIE sobre ganhos relacionados ao comércio externo, apesar de nossas reservas, juntamente com especificações econômicas mais realistas, inclusive para emprego e distribuição de renda. Projetamos pressões de queda nos salários que, ao deprimir a demanda doméstica, levariam a um menor emprego e uma maior desigualdade em todos os grupos de países. A perda de empregos projetada somaria 771 mil postos nos países da TPP, dos quais 448 mil apenas nos EUA. Essas perdas anulariam quaisquer benefícios ao crescimento, com os EUA e o Japão sofrendo pequenas perdas líquidas na renda (-0,5% e -0,1%, respectivamente).

Mesmo se a TPP se revelar em conflito com interesses nacionais ou públicos, os países participantes vão ser obrigados a seguir suas provisões. Lobbies poderosos, principalmente dos EUA, garantiram isso. E, infelizmente, isso não foi tudo o que fizeram.


As provisões mais importantes da TPP fortalecem, ampliam e estendem os direitos de propriedade intelectual. Isso vai dar aos laboratórios farmacêuticos monopólios muito mais prolongados sobre medicamentos patenteados e manter as opções mais baratas - genéricos e alternativas consideradas demasiado similares - fora do mercado, prejudicando tanto consumidores quanto governos que fornecem subsídios.

Além disso, a TPP enfraquece a regulamentação nacional, inclusive a referente aos serviços financeiros, e fortalece os direitos dos investidores estrangeiros, à custa das empresas locais e do interesse público. Provisões do Mecanismo de Arbitragem de Disputas entre Investidor e Estado (ISDS) permitem que investidores estrangeiros busquem acordos de execução obrigatória contra governos se novas regras reduzirem seus lucros futuros esperados.

Governos que percam esses processos vão ser obrigados a compensar os investidores externos; mesmo se ganharem, vão incorrer em altos custos jurídicos. Na verdade, os possíveis custos com pagamentos ou acordos relativos ao ISDS, sozinhos, já poderiam superar de longe os limitados benefícios econômicos da TPP.

Por fim, embora o maior impacto da TPP seja fora da esfera comercial, o acordo vem sendo usado para corroer os esforços multilaterais de liberalização comercial. A vítima mais óbvia são as atuais negociações da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas o Fórum de Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec) e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) também vão sofrer.

Os defensores da TPP exageram grosseiramente há anos os benefícios previstos com o acordo e minimizam seus altos riscos e custos, que em sua maioria recairiam sobre os cidadãos comuns. A realidade é que a TPP vai ter um impacto quase imperceptível no PIB, beneficiar quase exclusivamente as grandes empresas e restringir significativamente o espaço de manobra que os governos precisam para acelerar o desenvolvimento econômico e proteger o interesse público. Bela parceria essa. (Tradução de Sabino Ahumada).

Fonte:Valor Economico/Jomo Kwame Sundaram foi secretário-geral assistente do depto. de Desenvolvimento Econômico e Social da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e recebeu em 2007 o prêmio Wassily Leontief por Expandir as Fronteiras do Pensamento Econômico. Copyright: Project Syndicate, 2016.

https://www.portosenavios.com.br/noticias/portos-e-logistica/34554-o-enganoso-jogo-transpacifico

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