LEGISLAÇÃO

segunda-feira, 4 de julho de 2016

A nova porta do comércio mundial




A nova porta do comércio mundial

Expansão do Canal do Panamá altera as principais rotas de carga globais e resgata a importância do corredor para os EUA. Por falta de infraestrutura, os benefícios para o Brasil serão limitados

Por: Gabriel Baldocchi, da Cidade do Panamá

Escala ampliada: nova rota pode receber navios com até 14 mil contêineres, ante 5 mil na eclusa antiga
Escala ampliada: nova rota pode receber navios com até 14 mil contêineres, ante 5 mil na eclusa antiga ( foto: Dario Lopez-Mills)
Na entrada de Miraflores, no lado do Pacífico do centenário Canal do Panamá, o motorista Juan Thompson recorda-se dos tempos de criança ao conduzir turistas ao mirante das eclusas por onde passam cerca de 6% das cargas globais. As ladeiras que hoje dão acesso aos visitantes formavam um circuito de bicicleta aos jovens nos anos 1960 e 1970, quando a região era administrada por americanos como seu pai. Foi só em 1979 que a Zona do Canal, área residencial dos “gringos” no entorno, deixou de existir, abrindo caminho para a troca de gestão do canal aos panamenhos, em 1999. Como residente local, Thompson é minoria entre os “zonians” daquela época. A maior parte dos moradores da extinta zona oficial voltou aos Estados Unidos. Assim como eles, parte dos cargueiros americanos abandonou a região nos últimos anos e passou a acessar a Ásia pelo Canal de Suez, no Egito, numa rota mais longa. Com a inauguração de um novo jogo de eclusas, no em 26 de junho, esse fluxo deve em breve regressar ao corredor caribenho, num redesenho das principais rotas do comércio mundial.
Até meados da década passada, o Panamá era o principal caminho das cargas que partem da Ásia ao leste dos Estados Unidos em navios. Mas a busca por ganhos de escala forçou a indústria de navegação a encomendar embarcações maiores, acima dos limites das eclusas panamenhas. O fluxo estava limitado a navios de até 5.000 contêineres, bem abaixo dos modelos mais modernos em operação, capazes de carregar até 20 mil unidades. “Perdemos mercado pelo mesmo motivo que tivemos de expandir: precisávamos de espaço para navios maiores”, afirma o subadministrador da Autoridade do Canal do Panamá (ACP), Manuel Benitez. “Quando os navios maiores começaram a operar e nós não tínhamos capacidade, perdemos mercado para o Canal de Suez.” 

O novo conjunto de eclusas permite a passagem de navios com até 14 mil contêineres e quase dobra o volume de cargas no canal, hoje no limite, para 535 milhões de toneladas. Até 96% da frota mundial poderá passar pela área estendida, o que permitirá aos operadores reverem suas estratégias. A Maersk Line, uma das maiores transportadoras globais de contêineres, estima que 66% das suas cargas entre os Estados Unidos e Ásia passarão pelo Canal do Panamá nos próximos anos, com apenas 34% por Suez, ao contrário do que acontece atualmente. Cerca de 10% das cargas totais que hoje entram pelos portos do oeste americano devem migrar para portos do leste, impactadando o fluxo terrestre dentro do país.
Em breve, americanos poderão comprar produtos chineses mais baratos graças à redução de quatro dias na viagem através do canal estendido, em relação à rota por Suez, e ao aumento do volume de cargas por navio no canal. Da mesma forma, os chineses poderão usufruir a redução de 30% dos custos nas compras dos grãos dos EUA com o uso dos navios maiores – cerca de 90% dessas transações passam pelo Panamá. A expansão resgata a verdadeira vocação do canal: melhorar o fluxo de cargas que chegam e saem dos EUA. Mas, num mundo cada vez mais conectado, o impacto acaba sendo mais amplo e novas oportunidades surgem para outros países fortes no comércio exterior. A desaceleração recente no transporte de cargas e a ociosidade de na indústria da navegação, no entanto, dificultam previsões mais precisas sobre os potenciais beneficiários.
Para o Brasil, as oportunidades da nova porta global ainda estão limitadas por gargalos logísticos e a conjuntura atual. Enquanto vizinhos como Chile, Colômbia e Peru prepararam os seus portos para embarcações maiores nos últimos anos e poderão usufruir a expansão, a maioria dos terminais brasileiros ainda não tem condições de receber as gerações mais recentes de navios. Em Santos, por exemplo, o calado (profundidade) está limitado a 11 metros, enquanto as embarcações que passarão pelas novas eclusas precisam de 15 metros. “Primeiro precisa da infraestrutura certa, para que depois venham as mudanças com os navios maiores”, afirma Antonio Dominguez, diretor da Maersk para a região do Brasil. Segundo ele, uma das opções que poderiam gerar ganhos a empresas brasileiras, se não houvesse o gargalo, seria criar um serviço global com saída em Santos, parada na Europa, até a Ásia, e regresso pelo Canal do Panamá.  “A distância de Santos direto para a Ásia é maior do que se vier pelo Pacífico, através do canal”, diz Dominguez. “Haveria muitas opções, mas o gargalo é que para explorá-las precisa dos navios certos, de 12 mil, 13 mil contêineres.”
Um estudo feito pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre a expansão do canal levantou a hipótese de criar um hub de transbordo no norte do País, mas ainda há dúvidas se os volumes permitiriam tal evolução. Devido à proximidade com o Panamá, portos como Pecém, no Ceará, também poderiam ganhar importância no comércio voltado ao Brasil, mas o baixo volume de cargas na região e a dificuldade de conexão com os principais centros deixam a opção distante. A oportunidade mais clara é a utilização da saída norte para a exportação de grãos do Centro-Oeste, em alternativa a Santos. A viagem pelo Canal do Panamá encurtaria em pouco mais de quatro dias o trânsito de soja para a China, com as saídas por Vila do Conde, no Pará, em relação à rota feita hoje. A solução ainda não é vantajosa porque o baixo custo de combustível compensa a viagem mais longa em relação às taxas do canal.  Mais adiante, porém, a nova rota pode viabilizar a produção agrícola ao norte do Mato Grosso e partes do Pará, onde os custos para escoar ao Sudeste não justificam o investimento. “O Canal do Panamá não foi feito para o Brasil, estamos pegando carona”, diz o consultor Leandro Barreto. “De tudo o que temos, o grande beneficiado é a soja.” Faltará aprimorar o transporte terrestre para tirar maior proveito da alternativa. Trechos como o de 120 km de terra na BR-163 quase inviabilizam a passagem dos caminhões.
OBRA FARAÔNICA 
Enquanto investimentos em infraestrutura são feitos por todo mundo para usufruir melhor a passagem do novo canal, o Panamá colhe os frutos da conclusão de uma das maiores obras do século XXI. Foram nove anos de trabalho desde que a população aprovou a expansão num referendo nacional, em 2006. Comandada por uma engenheira panamenha que ganhou fama por andar de colete e capacete rosa, a obra somou investimento de US$ 5,4 bilhões, envolveu mais de 40 mil pessoas – 95% do próprio país –, e consumiu aço suficiente para construir 19 torres Eiffel.
Em meio ao atraso de quase dois anos, das críticas sobre a qualidade do concreto, além das arbitragens no valor de US$ 3,5 bilhões com o consórcio construtor, o Canal do Panamá reencontrou suas origens durante os trabalhos de ampliação, como na remoção de explosivos presentes numa antiga área de tiro da base militar americana. Com uma vantagem: sem a marca das quase 30 mil mortes de operários da construção original, finalizada em 1914, pelos Estados Unidos. Os oitos mortos na obra da nova área foram lembrados pelo presidente panamenho na cerimônia de inauguração.
Por tudo isso, antigos moradores da Zona do Canal, como Thompson e o professor Valencio Thales, cujos avós trabalharam na construção original, enxergam nas novas eclusas uma conquista de dimensões históricas. Se no comércio, não há dúvidas sobre um resgate aos laços americanos, desta vez o sentimento deu espaço a uma cor local. Bandeiras panamenhas eram distribuídas por militares nas principais vias da cidade para o dia da cerimônia oficial de inauguração e campanhas publicitárias exaltavam o orgulho nacional pelo novo canal. Sem dúvida, são os panamenhos que devem ter o benefício mais imediato do adicional de US$ 1,5 bilhão em receitas esperadas com a nova área. Ainda é cedo, porém, para saber se o redesenho das rotas terá o mesmo impacto no comércio mundial do que a construção original da passagem, no início do século XX.

http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20160701/nova-porta-comercio-mundial/389085

Nenhum comentário: