LEGISLAÇÃO

terça-feira, 8 de dezembro de 2015


Brasil exporta tributos e está dependente da China


“O Brasil não tem uma política de governo para o setor de comércio exterior; tem política de ministérios que, muitas vezes, não falam o mesmo idioma.” A acusação é do presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, para quem essa ausência gera grandes dificuldades para o setor. “Infelizmente, não temos uma política de comércio exterior. Veja que foi lançado este ano o Plano Nacional de Exportação, que é mais uma política do setor. Caso seja aplicado – e não depende apenas do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior – cria para o Brasil uma política de que é exatamente o que nós precisamos.”

José Augusto de Castro fez questão de explicar que, apesar de as exportações brasileiras deste ano registrarem superávit de cerca de US$ 15 bilhões, ele considera esse resultado não como aumento das exportações mas, sim, redução de importações. “É um superávit que chamo de negativo. Então vamos ter um superávit que ajuda a balança de pagamentos, mas, em termos de comércio exterior, nada ajuda. Por quê? Na verdade, a corrente de comércio vai ter uma forte queda este ano. Então, o que gera atividade econômica é o comércio e, através do comércio exterior, nós estamos reduzindo a atividade econômica.”

Para 2016, segundo ele, a expectativa é de superávit muito maior. As importações devem cair e as exportações vão cair menos. Com isso, diz, para o ano que vem, está previsto um superávit de US$ 26 bilhões a US$ 30 bilhões. “Mais uma vez, é um superávit que vai gerar menor atividade econômica, e vamos depender das commodities. Apesar de a taxa ser favorável, ainda não é suficiente para tornar a exportação de manufaturados com maior peso. Em 2000, 59% de tudo o que exportávamos eram manufaturados. Esse ano, é apenas 7%. As commodities, que em 2000 eram 22%, nesse ano passaram para 47%.”



No setor de comércio exterior, o Brasil está ou não passando por uma crise?

– Claro que está em crise. Nós estamos reduzindo as exportações nos últimos anos e, nesse ano especificamente, nós estamos reduzindo as importações. No comércio exterior, o importante não é o superávit comercial, porque é feito de uma exportação e importação. O mais importante é a corrente de comércio. E isso para o Brasil tem caído continuamente nos últimos quatro anos.



Então, essa crise econômica tem refletido negativamente no desempenho do país no comércio exterior?

– Claramente, porque nós não temos condições de fazer o dever de casa na área de exportação. Nós estamos sempre dizendo, nos últimos anos, que é preciso fazer as reformas estruturais nos setores de transporte, tributário, de infraestrutura, previdenciário e trabalhista. Não fizemos nenhuma reforma. Essas reformas são fundamentais para reduzir o custo do produto exportado. Hoje, nós estamos dependentes da China, que vai continuar a comprar as nossas commodities. Nós precisamos nos libertar dessa dependência e passar a exportar produtos manufaturados, o que nos interessa e que gera emprego e, principalmente, a iniciativa de venda é nossa.



Nesse sentido, o que a AEB sugere para resolver este problema?

– Essas reformas são fundamentais. Entre elas, a tributária é a principal, porque hoje nós exportamos tributos. E no mundo ninguém exporta tributos. Somos um país que não tem preço competitivo. Nesse momento em que a taxa de câmbio está melhor, passamos a ter preços competitivos em função do câmbio. Mas câmbio não é fator de competitividade. Taxa de câmbio é fator de conversão. Mas, hoje, o câmbio virou competitividade.



Então, a alta do dólar está refletindo positivamente nas exportações brasileiras?

– Vai refletir positivamente, mas, até agora, o reflexo é tímido. Claramente o reflexo será em 2016, caso haja melhoria. Só que o Brasil ficou fora do mercado nos últimos anos. Então, nós somos um cliente novo que quer desbancar alguém que está estabelecido. E nós não temos tradição. Então, estamos concorrendo com a China, Europa, Japão, com esses todos. Por enquanto, não estamos ganhando a luta; talvez em 2016.



Quais são os gargalos que o setor precisa resolver no curto espaço de tempo?

– Logística. Não temos infraestrutura de transporte rodoviário, ferroviário e marítimo e somos um país que exporta 95% de seus produtos via marítima. E nós não temos logística no setor adequada em termos de custo para exportarmos manufaturados.



Nesse sentido, o país carece de cabotagem?

– Cabotagem interna, de operação entre portos nacionais. Também a cabotagem é importante porque o produto que vem do Norte e do Nordeste acaba sendo embarcado aqui, no Sudeste, através da cabotagem. Só que hoje esses produtos são transportados por via rodoviária, que é muito mais caro, tira competitividade. As estradas não foram programadas para receber esse volume de trânsito rodoviário. Isso interfere no setor, enquanto a cabotagem tem ociosidade.



O aumento das taxas de juros também pesa no segmento?

– Interfere, porque muitas empresas não têm acesso a financiamento. Elas acabam utilizando juros de mercado interno que nós sabemos que são proibitivos. Isso deixa o preço do produto mais alto e sem competitividade. Hoje, nós temos alguns mecanismos de financiamento que estão muito burocratizados. O principal deles é o Proex Financiamento. Ele tem este ano recursos porque o mercado está parado. Na verdade, nós temos dinheiro e não operações neste ano de 2015. E o normal é sempre ter operações e não ter dinheiro.



Em sua opinião, o BNDES poderia atuar nesse segmento?

– Poderia, mas o BNDES tem um problema: só opera se tiver recursos. E o dinheiro, em função do Orçamento da União, sempre está atrasado. Faz com que se fique de três a quatro meses do ano sem operações. O BNDES é muito importante para nós. É um banco fundamental porque é o único banco do país que pensa no longo prazo (10, 12 ou 15 anos). Os bancos privados não têm essas condições, embora até gostássemos que também participassem. Nós entendemos a posição deles porque as regras do jogo no Brasil, infelizmente, não foram definidas na previsibilidade que gostaríamos.



E a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil?

– A Caixa não é um banco de comércio exterior. O Banco do Brasil, sim. Na verdade, o Banco do Brasil foi tolhido. Só opera no Proex Financiamento, e o Proex Equalização é operado pelo BNDES.



Quais são os principais produtos da pauta de exportações do país?

– Infelizmente, são as commodities. Não é que eu seja contra, pelo contrário, elas têm salvado o Brasil nos últimos anos, principalmente minério, soja e petróleo. São três produtos que garantem 40% das exportações brasileiras. Os manufaturados não se incluem entre os dez mais exportados. No passado, automóveis, aviões, peças, uma série de produtos; no momento, os dez primeiros são as commodities.



Esses produtos que o Brasil exporta respondem por quanto do nosso PIB?

– As exportações brasileiras respondem por 10% do PIB. Esses produtos representam por 40%, ou seja, 4% do PIB.



Quais os principais compradores de nossos produtos?

– China, EUA e União Européia, como um todo, são os maiores importadores. Mas, se dividir país por país, Alemanha, Argentina e outros.



A Argentina acabou de eleger um novo presidente, Mauricio Macri. Em sua opinião, as relações bilaterais entre os dois países vão melhorar?

– Espero que sim. Porque nos últimos três anos praticamente não existiram, em termos comerciais. Falou-se de tudo, menos de comércio exterior. E as reclamações de Macri, pelo menos, até agora, geram uma expectativa positiva. Por quê? Minimamente, vai dar uma “sacudidela” no Mercosul e no conjunto dos demais países. A Venezuela, tipicamente, é um país que faz parte do Mercosul e que ninguém foi ouvido. Se perguntar “por que a Venezuela está no Mercosul?”, “sob que aspecto?”, comercial não é, porque não cumpre as condições básicas para integrar o bloco. A Venezuela, infelizmente, não é um país democrático. Os principais países são Brasil e Argentina. Então isso pode gerar alguma atividade econômica no comércio exterior.



Esse tratado Transpacífico (TPP), assinado ente os EUA e mais 11 países, vai prejudicar as exportações brasileiras?

– Totalmente. Primeiro, o TPP que foi assinado prejudica parcialmente porque os EUA são os nossos concorrentes. Exporta milho, açúcar, soja, tudo que o Brasil produz. Se um desses países que integram o TPP forem comprar esses produtos, vai ser dos EUA, que não tem tributo. Os do Brasil vão ter. Então, isso já prejudica. E se for firmado o acordo entre os EUA e a União Européia, vai comprar tudo que os EUA produz – que é o mesmo que o do Brasil – e sem tributos. Então, somos prejudicados. Esse é um problema sério que o Mercosul, que é uma união aduaneira, vai exigir que todos os países tenham uma decisão por unanimidade e não se consegue. O Brasil tem apenas três acordos (Palestina, inexpressivo; Israel, pequeno volume; e com o Egito, envolvendo poucos produtos). No fundo, não temos nenhum acordo.



Em sua opinião, qual seria a solução para o Mercosul?

– Ou colocar o Mercosul numa área de livre comércio como é Nafta (com EUA e Canadá) ou permitir que os países do Mercosul continuem sendo uma união aduaneira, que tenham liberdade de fazer acordos se os demais países não quiserem. Hoje, estamos numa camisa de força, não podendo fazer acordos individuais. Não temos liberdade para nada. Estamos presos ao Mercosul. Não se consegue entender a politica externa do Brasil porque essas decisões são contrárias de maior liberdade. Então, o Mercosul hoje é visto como um bloco protecionista. Nós, aparentemente, caminhamos na direção de não se fazer comércio exterior.



A corrupção descoberta pela Operação Lava Jato na Petrobras afetou a imagem do Brasil no exterior?

– Afetou como um todo, ainda que não tenha participação direta, a imagem do país ficou muito afetada internacionalmente. Não vamos negar que seriam coisas diferentes, não. É comércio, e comércio é igual para todos. O Brasil foi afetado negativamente, e essa é uma das razões que muitas vezes exportação de serviços de engenharia, por exemplo, em que o Brasil tem uma participação muito expressiva, ficou em segundo plano. As empresas têm dificuldades de montarem financiamento sem vincular à Petrobras. Nós perdemos o grau de investimento em duas agências classificadoras e vamos perder mais um em 2016. Com isso, o Brasil deixa de ser um país de investimento. Graças ao problema da Petrobras, vamos perder o grau de investimento. A Petrobras afetou diretamente o comércio exterior do Brasil.



Marcelo Bernardes

marcelo.bernardes@monitormercantil.com.br

http://www.monitormercantil.com.br/index.php?pagina=Noticias&Noticia=178547&Categoria=CONJUNTURA

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